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CRÍTICA ANTROPOLOGIA

Michel Agier analisa confusão e bagunça de centros urbanos

RAFAEL CARIELLO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Na cidade, a confusão resiste. Nenhuma lógica de ordenamento parece dar conta de sua complexidade

Descobrir método e ordem na aparente loucura dos fenômenos coletivos e psicológicos tem sido o projeto das ciências humanas, em geral, e da antropologia, em particular, desde pelo menos o final do século 19.

É esse também o objetivo do francês Michel Agier ao falar sobre os grandes centros urbanos, sobretudo nos países pobres, nas entrevistas e ensaios coletados em "Antropologia da Cidade - Lugares, Situações, Movimentos".

Mas seu objeto de estudo, embora central para qualquer projeto de compreensão do mundo contemporâneo, tem oferecido grandes dificuldades à teoria social, particularmente à antropologia. Muito mais do que outros temas, aliás, afinal "domados" pela lógica particular das humanidades ao longo do século 20.

A ideia de inconsciente, em Freud, por exemplo, foi capaz de dar significado e coerência à confusão de sintomas neuróticos, a princípio incompreensíveis.

As relações estruturais de sentido, em Claude Lévi-Strauss, tornam legíveis narrações míticas à primeira vista indecifráveis.

Regras de casamento, lógicas de status, sistemas alternativos de classificação e pensamento, tudo ajudou, e ajuda, a extrair lógica da confusão do mundo.

E a antropologia chega mesmo a encontrar, nas sociedades pré-industriais, uma espécie de lógica das lógicas: há analogias e ressonâncias entre diferentes esferas da vida; a produção mítica ajuda a explicar e a entender a ordenação social, e vice-versa, por exemplo.

Na cidade, porém, a confusão resiste. Nenhuma lógica de ordenamento parece dar conta, por si só, da complexidade dos centros urbanos. As tentativas de analogia falham. Parece não haver sistema ou modelo que simplifique e traduza a cidade.

Algier passa em revista as principais tentativas da teoria antropológica de dar conta das lógicas sociais nos centros urbanos.

Algumas classificações, mínimas, parecem resistir: a distinção entre espaços públicos e privados, sobretudo.

As relações entre a "casa" e a "rua", como já na década de 70 propôs o antropólogo Roberto DaMatta, são ainda bastante produtivas. Mas é ao afirmar a bagunça da cidade, nos episódios de confusão entre "casa" e "rua", como já fazia DaMatta, que o livro ganha em interesse.

Em alguns momentos, como em manifestações públicas, nas "paradas gays", no Carnaval, cria-se, segundo Algier, um "espaço público nem demasiado privado, nem demasiado estranho". Um terceiro lugar, nem "casa" nem "rua", e que é ao mesmo tempo um pouco dos dois.

Subvertem-se, assim, segundo Agier, as divisões que a sociedade cria, entre negros e brancos, ricos e pobres, hetero e homossexuais.

A cidade se torna ainda mais confusa, a cidade se radicaliza. O que, é claro, gera reações para repor a ordem

Como exemplo, o antropólogo cita o desenvolvimento histórico do Carnaval em Salvador.

Após um período em que, segundo ele, blocos afro "desembarcavam nos bairros brancos muito elegantes da orla", metendo medo, criando desordem, as autoridades conseguiram recortar "frações do espaço" específicas para cada grupo.

"Segmentou-se a festa do Carnaval, para fazer de modo que 'cada um se sinta em casa'."

Há belos momentos de elogio da bagunça, nesse livro que é também um pouco confuso e bagunçado.

ANTROPOLOGIA DA CIDADE

AUTOR Michel Agier

EDITORA Terceiro Nome

TRADUÇÃO Graça Índias Cordeira

QUANTO R$ 34 (216 pás.)

AVALIAÇÃO regular

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