Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica romance

Noção de justiça infalível tira a força de livro de nigeriano

LUIZ BRAS ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos momentos mais irritantes da literatura universal é o desfecho edificante do romance "Crime e Castigo", de Dostoiévski.

Raskólnikov, após dar cabo da velha agiota e de sua irmã, e fugir com as joias, é tomado pelo remorso e entrega-se à polícia.

Existe o mundo como realmente é, em que criminosos jamais se arrependem -exceto, talvez, quando são capturados-, e o mundo como deveria ser, em que a justiça sempre triunfa. Dostoiévski optou pelo segundo.

O nigeriano Chinua Achebe também escolheu o triunfo da justiça, ao enviar para o tribunal o jovem Obi Okonkwo, por corrupção, logo no início de "A Paz Dura Pouco".

Diferente de Raskólnikov, Obi não teve uma crise de consciência e se entregou. Às voltas com problemas financeiros, o rapaz estava adorando receber propina. Mas caiu numa armadilha e foi preso.

O principal dilema de qualquer representação ficcional pode ser resumido na oposição "otimismo versus pessimismo". Os proponentes do otimismo acham que uma sociedade corrompida precisa de narrativas edificantes, que retratem uma realidade melhor, a ser alcançada.

Os do pessimismo acreditam que uma sociedade corrompida só buscará o aperfeiçoamento se for apresentada a si mesma, sem maquiagem.

Achebe escolheu o otimismo, certamente a menos eficiente das duas armas na educação moral de um povo.

Mas querer que ele nos desse um criminoso vitorioso, como Hannibal Lecter (psicopata sem dramas de consciência, criado por Thomas Harris), seria anacronismo.

"Crime e Castigo" é de 1866 e "A Paz Dura Pouco", de 1960. Os leitores ainda não estavam amadurecidos para encarar a verdadeira natureza humana. Na verdade, mesmo hoje poucos estão.

Mas é certo que o protagonista do romance de Achebe poderia ser um pouco mais ousado. Nascido numa pequena aldeia, Obi conseguiu uma bolsa para estudar na Inglaterra. Ao retornar à Nigéria, foi empregado como secretário pelo governo.

É nessa hora que ele toma contato com uma das instituições mais sólidas da rotina burocrática: a corrupção.

Após uma frouxa resistência inicial, o rapaz se convence, satisfeito, de que "podemos causar mais problemas recusando uma propina do que aceitando".

A frouxidão moral de Obi é representativa da inércia geral, que faz da atávica corrupção nas repartições públicas uma prática aceitável.

Mas, para denunciar a frouxidão moral de um extrato qualquer da sociedade, a literatura não pode se contentar apenas com personagens frouxos. Tampouco com uma justiça artificialmente infalível.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

A PAZ DURA POUCO
AUTOR Chinua Achebe
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Rubens Figueiredo
QUANTO R$ 38 (200 págs.)
AVALIAÇÃO regular


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página