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Romance erótico é "parque de diversões" para seu autor

Após cobrir temas que vão da vida de escritório à Segunda Guerra, americano Nicholson Baker solta a fantasia em "House of Holes"

PETER CONRAD
DO “GUARDIAN”

Se você se pergunta sobre por que escritores escrevem, há uma resposta sucinta em "House of Holes" (Casa dos Buracos), mais recente romance de Nicholson Baker, uma antologia de orgias ambientada em um parque de diversões em que os desejos carnais de sujeitos com nomes suburbanos são satisfeitos com criatividade por ninfas ágeis com nomes exóticos

Duas frases no romance resumem a razão da existência da literatura: "Wade acordou em seu hotel e pressionou W, para 'woman' [mulher], no botão 'sexo já' de seu controle remoto. Então cochilou". A arte satisfaz desejos; supre na mesma hora o que nos falta.

"Uma de minhas fantasias sexuais de adolescente era ter um parque sexual onde você pudesse escolher seu brinquedo e comprar um ingresso para a perversão que quisesse. Eu sonhava com isso quando era garoto", me disse Baker em sua casa, na zona rural do Maine.

O resort carnal criado por Baker oferece aos clientes uma flotilha de "masturbarcos" num lago ornamental, que é o antro do Monstro de Cock Ness (monstro do Pinto Ness); uma visitante desliza sobre a superfície do lago, usando sua vulva como hidroavião. Órgãos gozam de vida própria e irrefreada.

DE "GEEK" A LIBERTINO

Nicholson Baker é um homem cortês e agradável. É um libertino improvável.

Seus primórdios literários foram próprios de um "geek": começou escrevendo manuais de software, e seu primeiro romance, "The Mezzanine" (o mezanino, 1988), é um pseudoépico da vida de escritório, em que se louvam máquinas de xerox e homens que lustram corrimãos de escadas rolantes.

No mundo maior, Baker tem se dedicado quixotescamente a causas perdidas. Ele faz campanha contra bibliotecas públicas que jogam fora livros de papel e conservam apenas microfilmes; seu livro anterior, "Fumaça Humana", de 2008 [lançado no Brasil pela Companhia das Letras, 2010] é uma reavaliação pacifista da Segunda Guerra Mundial, que, de maneira polêmica, incrimina Churchill.

Mas ele também tem uma atividade paralela no campo do erotismo, ou, como prefere chamá-lo, obscenidade. "Vox" (92) grampeia uma sessão de sexo telefônico entre um homem e uma mulher em costas opostas dos Estados Unidos, e o narrador de "Fermata" (94) faz feitiços para parar o tempo, para que possa acariciar corpos femininos que de nada desconfiam.

Esses romances [lançados no Brasil pela mesma editora, hoje fora de seu catálogo], contudo, são sobre a alienação de fantasistas reduzidos a imaginar um prazer que não podem sentir em primeira mão. "House of Holes" é menos indireto e evasivo.

"É minha casa de diversões particular", disse Baker. "Boa parte do livro foi escrita à noite. Eu pronunciava as palavras em voz alta à medida que as escrevia e digitava com os olhos fechados em uma sala escura, como se falasse dormindo. Pensei em usar um pseudônimo, e isso me libertou: o que escrevi foi exatamente o que eu queria ler. Mas o editor não gostou da ideia e pôs meu nome."

Quando conheci Baker, em 94, ele vivia em Berkeley, sob o sol da Califórnia, e escrevia em uma sala num prédio de aparência decadente. "Era o que eu pensava que um escritor deveria fazer; tratava meu ofício como se fosse um emprego de escritório. Hoje prefiro trabalhar em casa."

O paiol que hoje lhe serve de caverna criativa é um retiro ideal para sua imaginação tímida. Uma rede pendia ao lado de uma porta fechada, com venezianas através das quais podia acompanhar o que acontecia lá embaixo, no pátio: escrever é cultivar fantasias e espionar um mundo do qual o escritor é excluído.

"House of Holes" se passa ao ar livre e se caracteriza pelo humor escrachado e panteísta. "Quando mandei um exemplar de 'The Mezzanine' a minha avó, ela comentou que não havia 'uma nuvem, um canto de pássaro' no livro." "Acho que, se fosse viva, ela não teria aprovado este livro, mas ele é um pouco mais aberto à natureza."

IDÍLIO PASTORAL

De certo modo, "House of Holes" é um idílio pastoral que celebra nossa incorporação à natureza. Quando se excitam, os personagens "falam sacanagens", mas também empregam um discurso poético enaltecido para dignificar instintos básicos, como os pastores de "Arcadia", de sir Philip Sydney.

Por mais que eu tenha curtido a obscenidade alegre e o virtuosismo estilístico de Baker, é impossível ler "House of Holes" sem especular sobre suas motivações e sem ficar desnorteado diante de seus desvios mais bizarros.

"Eu não estaria falando a verdade se dissesse que estava calmo e desapegado", disse Baker. "Escrever é um processo lento. Se você está escrevendo uma cena de sexo, concentração faz com que você fique muito excitado."

O narrador de "The Anthologist" (2009) faz a observação brilhante de que "a poesia é prosa em câmera lenta".

"Quando mais devagar vão as coisas, mais você adia o clímax", disse Baker. "Gosto de escrever com hora marcada para chegar ao clímax. Mas não se trata de sexo tântrico: eu ligo o relógio outra vez e cada personagem tem o seu momento de clímax!"

"Em 1974, um cinema de minha cidade -Rochester, no interior de Nova York- começou a passar pornô hardcore. Eu vivia ali. Hoje, com o X-Tube, acho que é melhor, mais controlado; as pessoas filmam a si mesmas e o fazem para consumo particular. Mas o que se vê nesses sites é intimidador, especialmente para um escritor. Como podem palavras competir com aquelas imagens?"

"House of Holes" traz uma resposta a esses receios. Em vez de olhar corpos, você lê sobre sensações e emoções; a experiência é atraente e até afetuosa, e não lúbrica.

Incorrigivelmente inocente, Baker se recusa a reconhecer que o sexo pode ser mórbido, maníaco, uma arena de trevas. Em "House of Holes", ninguém se machuca.

Tradução de CLARA ALLAIN.

HOUSE OF HOLES

AUTOR Nicholson Baker

EDITORA Simon & Schuster

QUANTO US$ 25 (cerca de R$ 44, na www.amazon.com)

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