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Anti expressionismo

Exageros na plástica e no botox dificultam a identificação de emoções no rosto de atores de novelas

ELISANGELA ROXO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Reprodução de TV
Triteza, Renata Sorrah chora em "Fina Estampa"; "A sobrancelha não está boa", diz Ligia Kogos; "Ela tem um trabalho maravilhoso no cinema", desconversa Zé Celso
Triteza, Renata Sorrah chora em "Fina Estampa"; "A sobrancelha não está boa", diz Ligia Kogos; "Ela tem um trabalho maravilhoso no cinema", desconversa Zé Celso

Está cada vez mais difícil definir se o que se assiste na TV é drama ou comédia.

A disseminação do uso de botox (injeção produzida a partir da toxina botulínica, que paralisa os músculos e diminui marcas de expressão) e de cirurgias plásticas entre atrizes do primeiro escalão das novelas embaralha os dois gêneros.

Com o advento de câmeras, transmissão e aparelhos de TV de alta definição, a corrida para os consultórios fica mais flagrante nas telas.

Nos corredores da Globo, atrizes foram advertidas para maneirar com o botox.

Para discutir se essas intervenções estéticas são aliadas ou inimigas da teledramaturgia, a Folha ouviu diretores de teatro e médicos.

O fundador do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, diz que a plástica pode aproximar a expressão das intérpretes brasileiras daquelas vistas no teatro japonês.

"Quando a atriz se mexe na tela, lembra uma máscara kabuki [teatro tradicional nipônico, marcado pela caracterização exagerada]. Como TV é 'fake', fica até natural."

"É o exagero [na intervenção estética] que prejudica a expressão, faz surgir a 'cara congelada'", esclarece o presidente da regional paulista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP-SP), Carlos Alberto Komatsu.

A pedido da reportagem, Zé Celso e a médica dermatologista Ligia Kogos, conhecida como "rainha do botox", assistiram a cenas de "Fina Estampa" (Globo) e "Vidas em Jogo" (Record).

Eles avaliaram a interferência dos procedimentos estéticos na performance de Christiane Torloni, Renata Sorrah e Cláudia Alencar.

"Há vários outros atores que também estão sobre efeito, mas ninguém desconfia", provoca Kogos.

ANTICANASTRICE

O diretor acredita que, quando um artista tem carisma, é possível ter bom desempenho no palco e na tela, mesmo se o rosto for moldado por intervenções estéticas.

Para Kogos, botox e plástica são aliados da arte dramática na TV porque atenuam o histrionismo dos atores.

"Talvez o botox seja positivo para os excessos na interpretação dos brasileiros. Pode até servir para diminuir a canastrice de alguns atores."

Kogos acha que intervenções estéticas não são culpadas pela qualidade de uma cena de novela. "Isso é responsabilidade do autor e do diretor", ela afirma.

LIBERDADE ESTÉTICA?

"A dermatologia é capaz de libertar o ator da faixa etária à qual ele pertence", diz Kogos. "Pode não ser o caso de uma mulher de 50 anos interpretar uma adolescente, mas, sim, uma jovem de 30."

Zé Celso discorda da ideia. A plástica não liberta, diz ele, mas prende a pessoa a uma imagem que os outros querem que ela tenha.

Para ele, a idade de um personagem depende da "energia interior" do ator. "Não adianta consertar a cara e ficar neurótico sem saber de si", critica o diretor.

O meio televisivo pode ser um fator que induz com mais força à plástica e ao botox, segundo o diretor, porque faz o ator perder a "pulsão teatral" e ser engolido pela imagem.

"Ator tem de produzir catarse, cagar e andar para o que pensam dele. A busca pela plástica acontece porque a própria imagem se tornou uma commodity para essas pessoas, uma moeda de troca apenas", afirma ele.

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