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'Minha imagem de um FMI inflexível se suavizou'

No cargo de diretora-gerente do FMI há quase cinco meses, Christine Lagarde desembarca no Brasil nesta quinta para encontrar a presidente Dilma Rousseff e discutir como o país -ex-cliente das linhas de crédito do Fundo- pode contribuir com a organização para conter a crise global. À Folha, por e-mail, ela falou sobre sua experiência e as mudanças na instituição. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva, a primeira concedida por Lagarde a um veículo de imprensa brasileiro. (LC)

Folha - Como sua perspectiva pessoal do Fundo mudou e o quão diferente ela é de quando estava no Ministério das Finanças francês?

Christine Lagarde - No início da minha carreira como advogada, e mesmo como estudante, eu via o FMI como instituição séria, poderosa, quase presciente, de importância vital na estabilidade financeira e na cooperação internacional. Conforme a carreira avançou, minha compreensão melhorou. A imagem da minha juventude, de um Fundo austero e até inflexível, se suavizou. O que não mudou foi a ideia de que o FMI era fonte proeminente de pesquisa e análise econômica, apesar de agora ter perspectiva mais realista e humana.

O equilíbrio econômico do mundo mudou, e as organizações internacionais perderam influência. Hoje o FMI parece estar à frente em reafirmar sua relevância e em melhorar sua imagem. Como isso foi feito e quais as lições aprendidas?

As razões mais importantes para a imagem positiva, acho eu, são a transparência, o comprometimento e a prestação de contas.

A razão para a contínua relevância está na capacidade de adaptação e na universalidade. O FMI se adapta rapidamente às necessidades de seus acionistas e a uma paisagem global sempre mutante -embora, às vezes, não rápido o suficiente.

Nos últimos anos, a instituição passou a explicar mais claramente seus propósitos e ações, se envolveu mais diretamente com os acionistas -inclusive com oponentes tradicionais- e se submeteu ao escrutínio público, incluindo aí avaliações independentes externas.

Isso melhorou o entendimento do público sobre seu papel e deu mais qualidade e eficácia a suas políticas e programas. Esse processo também detonou reformas de governança que resultaram em uma mudança substantiva entre os acionistas da instituição, em prol dos países "sub-representados", e fortaleceu a influência dos emergentes, como o Brasil.

Em termos de relevância, o FMI foi hábil em se adaptar às necessidades dos membros. Desde que a crise global eclodiu, em 2008, o Fundo passou por várias e intensas revisões, e implementou reformas que mudaram suas operações e seu foco de trabalho, para aumentar nossa capacidade de antecipar e reagir às crises.

A Itália acaba de aceitar a supervisão do Fundo. Trabalhar com economias avançadas é diferente de trabalhar com economias em desenvolvimento? Orgulho nacional pesa?

Pelo tamanho e pela importância sistêmica do país, a relação do FMI com a Itália será alvo de maior escrutínio. Mas consultas com autoridades nacionais sobre política econômica e condições financeiras e macroeconômicas são o arroz com feijão do Fundo. Mesmo em tempos de "calmaria", o debate pode ser intenso. As perguntas são as mesmas [para qualquer país].

Claro, as circunstâncias são específicas e dependem de vulnerabilidades e desequilíbrios, do grau de desenvolvimento do setor financeiro, do tamanho do setor social, das políticas de seguridade. Uma lição recente é que programas e conselhos do Fundo devem ser flexíveis e se adaptar a cada país.

Já o orgulho nacional é algo complexo, e cada país o tem do seu jeito. Tratamos com respeito.

O mundo está mais interconectado. Qual o papel do FMI no futuro e que mudanças ele ainda precisa fazer?

Estamos todos ligados pelo fracasso ou sucesso econômico. O trabalho do Fundo Monetário Internacional ainda é aproximar os países e facilitar a busca por soluções abrangentes e colaborativas para os problemas econômicos, com conselhos mais objetivos e equilibrados, ajuda financeira, proteção da contaminação financeira ou assistência técnica institucional.

Essas funções são mais importantes em um mundo interconectado. Para garantir que o Fundo as cumpra, ainda é necessário mais mudanças.

No curto prazo, vejo as seguintes prioridades: continuar a melhorar nossas ferramentas para empréstimos; fortalecer o monitoramento e aprender mais sobre mercados financeiros e como eles afetam a economia; trabalhar pela regulamentação financeira e a supervisão; manter o esforço para desenvolver um sistema monetário internacional mais estável, incluindo aí diversificar o sistema cambial global; e aumentar a legitimidade do FMI continuando as reformas para melhorar a representatividade da organização.

Nós todos temos uma responsabilidade coletiva de administrar as questões econômicas globais.

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