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Diário de Moscou

Moderno desconforto

Reforma deixa Bolshoi um teatro menos 'iutno'

MARINA DARMAROS

Há mais de seis anos fechado para reforma, o palco principal do Teatro Bolshoi finalmente reabriu as portas ao grande público. Depois de três grandes incêndios -em 1805, 1812 e 1853-, o prédio já havia passado por diversas restaurações e reconstruções, mas foi em 1987, com a aproximação da queda da União Soviética, que uma resolução do governo decidiu pela reforma urgente do teatro para substituir todo o material de baixa qualidade ali instalado durante o período soviético.

Daí até a reforma começar, em junho de 2005, além da comum burocracia do aparato estatal, ainda se esperou a construção de um prédio lateral, o Nôvaia Tsena, para abrigar os ensaios e espetáculos do teatro. "O teatro continua o mesmo, lindo, todo dourado, todo brilhando, é tudo a mesma coisa", disse à Folha a primeira -e única, até a recente chegada do norte-americano David Holberg- estrangeira no corpo de balé do teatro, a brasileira Mariana Gomes.

"O que a gente ouve dos bailarinos mais antigos é que agora a coisa está mais moderna nos bastidores, onde era tudo de madeira e frágil antes, mas que faz falta para eles, porque era parte daquela coisa aconchegante, 'iutno', como se diz em russo."

IRONIA NO OUTUBRO VERMELHO

O paraíso hipster em que se transformou a antiga fábrica de chocolates Krásni Oktiabr (em russo, "Outubro Vermelho") e seus arredores na última década pode estar com os dias contados.

À beira do rio Moscou, numa espécie de península bem de frente para o Kremlin, o terreno de 86 mil m2 virou alvo de investidores imobiliários que querem transformar o espaço no primeiro bairro de elite da capital -já que a Rubliovka, fora dos limites de Moscou, está mais para Alphaville que Morumbi.

O bairro "gentrificado", entretanto, sai mais a cara de Higienópolis, já com metrô e diferenciados que enchem as galerias de arte da região, como a Strelka (bit.ly/ strelka), que também serve de bar e instituto de mídia, arquitetura e design instalado na garagem da fábrica, e uma infinidade de bares e clubes noturnos da moda, como o Rolling Stone e o Clube Rái ("paraíso"). A austro-germânica DB Development já recebeu seu quinhão de 30 mil m2 para projetar apartamentos, hotéis e butiques mais sofisticados.

INTRIGAS RUSSAS NO OSCAR

Com a escolha de "Tsitadel", do diretor Nikita Mikhalkov, as duas mais aclamadas produções cinematográficas russas do ano ficaram de fora da disputa pelo melhor filme estrangeiro no Oscar. Eram eles o vencedor do prêmio principal do festival de Veneza, "Fausto", de Aleksandr Sokurov, e o celebrado "Elena", de Andrei Zviaguintsev.

A polêmica girou em torno, principalmente, do fato de Mikhalkov ser ele mesmo membro do comitê russo do Oscar, representado pela Academia Nacional de Artes Cinematográficas e Ciências da Rússia. Em resposta às críticas, Mikhalkov esbravejou que Sokurov e Zviaguintsev, que fizessem parte da comissão, o que levou à divulgação de uma carta aberta por diversos diretores do país rejeitando uma proposta do polêmico diretor para reformar o comitê. Para completar a intriga, até seu irmão, o também diretor Andrei Kontchalovski, assinou o documento.

CANIBALISMO NA ORDEM DO DIA

Em Moscou, Iuri Klavdiev, conhecido pela temática pungente de suas produções para teatro e cinema (como a peça "Eu Sou o Metralhador", de 2007, ou o filme "Todos Morrem Menos Eu", de 2008), toca mais uma vez num ponto nevrálgico da sociedade russa.

O diretor volta aos palcos com a peça "Razválni" (em russo, "ruínas"), que conta a história do cotidiano de duas famílias que não têm nada em comum, durante o cerco de Leningrado -quando a cidade, hoje chamada São Petersburgo, ficou bloqueada pelas tropas do Eixo, a partir de 1941, por 872 dias, durante a Segunda Guerra Mundial.

Sem comida ou combustível para se aquecer durante os rigorosos invernos, ingerindo apenas uma ração de pão provida pelo Estado que chegou a míseros 150 gramas diários, cerca de 1,5 milhão moradores de São Petersburgo morreram de fome durante o episódio.

O canibalismo foi um dos meios de sobrevivência e é até hoje um tabu entre os sobreviventes. Na peça de Klavdiev, a humilde Maria manda seus filhos às ruas para buscar cadáveres, com os quais os alimenta. Já o refinado acadêmico Irakli, que vive com a filha, entra em parafuso quando descobre ter sido servido de carne humana por Maria, o que gera toda digressão filosófica subsequente.

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