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Sete a um - entrevista

O autoengano da torcida

Brasileiros acreditaram no improvável

MORRIS KACHANI

RESUMO

O economista Eduardo Giannetti analisa a derrota do Mineiraço e suas consequências, vistas sob a ótica do autoengano. Ele questiona a mudança na identidade do futebol brasileiro, que espelharia um dilema do país, o de buscar indicadores econômicos europeus, mas perdendo o que tem de próprio, o lado lúdico.

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Para o escritor e economista Eduardo Giannetti, 57, a derrota do Brasil para a Alemanha se assemelha ao jogo do Santos contra o Barcelona, pelo Mundial de Clubes de 2011, quando o time brasileiro foi batido por 4 a 0. "Foi o mesmo tipo de situação humilhante, em que você passa a torcer para o jogo acabar logo." Giannetti enxerga no 7 a 1 uma ferida "pesadamente narcísica": "Abrimos mão da poesia e do lúdico para ganhar produtividade e tentar virar europeus, sem consegui-lo. Então perdemos uma coisa, mas não ganhamos outra".

Atual consultor da campanha de Eduardo Campos à Presidência e colunista da Folha, Giannetti é autor de livros como "Auto- engano" (Companhia das Letras), que traz uma visão original sobre a necessidade que temos de nos iludir em determinados momentos, e as implicações éticas envolvidas nesta escolha. O economista diz que não havia motivo para acreditarmos na seleção. "O autoengano ocorre quando se passa a desejar ardentemente que algo aconteça."

Folha - O que dizer a essa altura sobre o jogo Brasil x Alemanha?
Eduardo Giannetti - A superioridade tática e técnica dos alemães foi incontestável. Tão esmagadora que fez bater o desânimo em nossos jogadores, minando a autoconfiança que restava. Aí houve apagão. O time se deu conta de que vencer era uma causa impossível.
O escritor Jonathan Swift dizia que quase todas as formas de entretenimento mimetizam situações de luta e enfrentamento. Mas, para haver drama, é preciso que haja paridade.

Como digerir o 7 a 1?
Este jogo lembrou o do Santos contra o Barcelona, na final do Mundial em 2011, quando o Barcelona fez quatro e poderia ter feito mais. Foi o mesmo tipo de situação humilhante, em que você passa a torcer para o jogo acabar logo. Por isso não concordo com a análise de que com Neymar teria sido diferente. Contra o Barcelona não foi.
Este Brasil era um time acéfalo. Vejo a mesma linhagem na derrota de 1998. É a experiência de não reconhecimento da seleção --isso que é insuportável. O sentimento de um estranhamento profundo, completamente diferente do que vivemos na Copa de 82, por exemplo. Aquele time enchia os olhos, uma história que dá para encarar.

Houve autoengano da torcida?
O que nos deixou iludidos foi a Copa das Confederações. Mas, olhando friamente em retrospectiva, não havia motivos para acreditar. Este foi um autoengano: achamos que éramos competitivos. O autoengano ocorre quando você passa a desejar ardentemente que algo aconteça. Esse desejo é mobilizador --você começa a achar motivos para que ele se realize.

Se o futebol é uma metáfora da vida, ou de uma nação, o que representa essa derrota?
Esse jogo abriu uma enorme ferida narcísica. Para o dramaturgo Bernard Shaw, o patriotismo é a convicção de que seu país é superior a todos os outros porque você nasceu nele. No caso do Brasil, o futebol é um espaço que escolhemos para nos representar simbolicamente e, desta vez, fracassamos de uma maneira bisonha. Entramos com uma energia simbólica focada no triunfo e saímos vexados. Vai demorar para cicatrizar esta ferida pesadamente narcísica.

Narcísica em que sentido?
A imaginação brasileira é exacerbada e oscila muito. Ou somos maravilhosos, abençoados por Deus e bonitos por natureza, ou então um desastre, um fracasso. São os dois lados da mesma moeda. O complexo de vira-lata, por exemplo, é o avesso do ufanismo. Mas a diferença com 50 é que desde então o Brasil mostrou que é capaz. Somos penta. Então temos uma memória de nosso potencial. Em 2002 ganhamos da Alemanha na final. Então já não se trata do complexo de vira-lata.

Perdemos a identidade?
O problema agora é que abrimos mão da poesia e do lúdico para tentar virar europeus, sem consegui-lo. Então perdemos uma coisa, mas não ganhamos outra. Perdemos a identidade e, ao mesmo tempo, não conseguimos conquistar a técnica produtivista dos alemães.
Este é o impasse da cultura brasileira hoje: queremos ter um PIB per capita alemão abrindo mão da alegria e da espontaneidade inconsequente. É preciso elaborar essa diversidade e o Brasil é mestre nisso. A questão é: queremos ser o país do futebol com uma produtividade alemã? Por que abrir mão de nosso improviso? O Neymar talvez nos represente. Mas Hulk, não.
O Brasil está em um impasse. É preciso escolher se queremos ser uma cópia dos EUA e da Alemanha, se estamos dispostos a sacrificar outros valores em nome de uma meta econômica e tecnológica. Ou se propomos uma sociedade original que, embora não alcance esse padrão, ofereça soluções criativas ao mundo, como se fosse um ensaio para a construção de uma civilização brasileira.

Muita gente diz que esta está sendo a melhor das Copas.
Antes da Copa, achava que teríamos uma vantagem dentro das quatro linhas. Mas sabia que, em termos de organização do evento, não daria para comparar com a Alemanha, por exemplo. A expectativa com relação à Copa aqui era tão ruim que qualquer mediocridade que evitasse um grande desastre já faria o mundo considerar o evento um sucesso. Deixamos a desejar. Os custos dos estádios, as mortes, o atraso, a questão da mobilidade. Investir em 12 estádios foi uma soberba e mostra como lidamos com o dinheiro público.
O desbaratamento da máfia dos ingressos é o bom contraponto. Então, no saldo geral, do ponto de vista da organização da Copa, não demos um vexame de 7 a 1. Digamos que nossa performance como organizadores foi semelhante à trajetória do time até a semifinal.

Existe algum eco do 7 a 1 sobre o cenário político?
Não há evidência de que o resultado da Copa possa influir na intenção de voto. Mas acho complicado o país ter sincronizado perpetuamente as eleições presidenciais para três meses após a Copa. O que é grave é que o futebol acaba sugando e desviando a atenção e a energia do país em um momento no qual o engajamento civil deveria estar em primeiro plano. Para a democracia, isso não é bom.

E em termos de insatisfação social?
Se havia um substrato ruim com a situação do Brasil, a humilhação alimenta ainda mais esse sentimento. O Brasil não se reconhece mais. É necessário um reencontro de nossa expressão no futebol e na política. Existe uma crise de representação no plano simbólico. O time não nos representa. Assim como boa parte da classe política.
Sem querer partidarizar, mas a frustração de Dilma tem a ver com isso. Quando o Lula fala, o brasileiro se sente forte, valorizado, potente. Já a Dilma deprime, faz a gente se sentir mal. O tom dela é quase o avesso ao do Lula.
Com JK atingimos esse limiar em termos de autoconfiança. O Lula também tem esse espírito. Brinca com coisas sérias. Já jogamos futebol assim. Agora tentamos ser sérios e damos vexame. Não é nosso modo de ser. De certa forma, o Felipão é a Dilma.


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