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Aliada, mas próspera, China é uma ameaça à Coreia do Norte

Barbara Demick foi correspondente do "Los Angeles Times" em Seul, na Coreia do Sul, de 2001 a 2007, período em que entrevistou mais de cem dissidentes norte-coreanos para reportagens e para o livro "Nothing to Envy", de 2010 -por aqui, sairá em 2013, pela Companhia das Letras. Também visitou a Coreia do Norte em diversas ocasiões. Demick falou com a Folha por telefone, de Pequim -onde é correspondente desde 2007.

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Folha - Quais são as suas expectativas para a Coreia do Norte com a morte de Kim Jong-il? É possível imaginar mudanças no país?
Barbara Bemick - Não imediatamente. No momento, o novo líder militar é quem parece estar no controle. Mas esse país que estava fazendo barulho é muito mais fraco sem Kim Jong-il.
Kim jong-un, o filho sucessor, é uma figura-chave, mas sem mudanças reais na economia o país não vai sobreviver. A única alternativa será reconhecer que o país ficou para trás na comparação com o resto da ásia e encontrar uma maneira de abrir a economia, talvez com a ajuda da China.
Ou eles mudam a economia, ou colapsam. Não significa que a eventual ajuda da China possa evitar o colapso. Mas, de todo modo, mudanças são necessárias.

Não foi essa a mensagem que eles passaram nas últimas semanas...
Creio que eles estejam tentando mostrar que não haverá mudanças, avaliando primeiro sua força militar. Mas não vejo como Kim Jong-un possa governar da mesma maneira que o pai. Se quer sobreviver como líder, precisa oferecer ganhos econômicos para o povo.

E ele terá poder para isso?
Certamente os militares têm o poder. Seu tio, Kim Jong-un, tem o poder. O interessante é que Jang Song-thaek é considerado reformista por alguns. Há uma impressão -e isso é um boato que corre na Coreia do Norte, o que pode significar que não seja verdade- de que ele gostaria de abrir a economia, mas Kim Jong-il não quis. É a percepção de muitos norte-coreanos, de que Kim Jong-il bloqueou a reforma. Então Kim Jong-un e seu tio podem reconhecer a necessidade de crescer. Pode ser otimismo, mas creio nisso.

As conversas com a Coreia do Sul foram interrompidas em 2008, e em 2010 houve o naufrágio do navio sul-coreano na costa norte-coreana, que o governo do sul atribuiu a um ataque. É possível a evolução para um conflito maior?
O naufrágio foi parte de uma linha política geral da Coreia do Norte, mas o governo sul-coreano não quis reagir, apesar de avaliar que os norte-coreanos foram os responsáveis. A Coreia do Sul tem muito a perder e, nessas situações, em que o norte tenta criar uma atmosfera de tensão, sempre recua. Como economia moderna e desenvolvida, sabe que as tensões podem ser danosas. Os sul-coreanos cortaram a ajuda ao norte, mas não houve resposta militar.

Como foi a interrupção das conversas entre os dois países?
Desde que Lee Myung-bak foi eleito presidente da Coreia do Sul, em 2008, as relações ficaram mais difíceis. Lee Myung-bak é conservador, encerrou a ajuda humanitária à Coreia do Norte e eles não gostaram, é claro. Eles esperam que um governo de esquerda volte ao poder nas próximas eleições.

Essa posição afetou a forma como os sul-coreanos recebem os refugiados norte-coreanos, com os cursos de adaptação e os subsídios que você descreve no livro?
Sim, afetou. O atual governo da Coreia do Sul tem sido bem mais receptivo aos dissidentes do que os governos anteriores. Tipicamente, os governos de esquerda não são tão receptivos, porque não querem irritar a Coreia do Norte.

No livro, você informa que no início da década havia 6.000 dissidentes norte-coreanos na Coreia do Sul e que os sul-coreanos mais jovens não são sensíveis à situação como eram seus pais. É possível que a população passe a rejeitá-los?
Os refugiados já não são tão bem recebidos pelo povo sul-coreano, que sabe que sai caro para o governo assimilá-los. Não há impacto nos empregos, já que o número é pequeno, ainda não chega a 10 mil, mas eles não são bem recebidos como eram nos anos 90. Porque não são mais novidade.

A força da Coreia do Norte veio da capacidade de isolar os cidadãos. Isso está mudando?
Está mudando por causa da China. A fronteira entre China e Coreia do Norte tem mais de mil quilômetros, e muita informação acaba entrando, com celulares, filmes, computadores. Foi o crescimento da economia chinesa que tornou difícil para a Coreia do Norte manter longe o mundo exterior.

Nesse contexto, não se pode imaginar uma reação popular, como aconteceu no oriente médio?
Eu até poderia imaginar algo assim... Bem, a população na Coreia do Norte é muito, muito mais controlada do que na síria. Mas eu poderia imaginar algo como na tunísia, quando alguém protesta e a coisa acontece de forma espontânea. Algo mais espontâneo que organizado, porque não há oposição política organizada na Coreia do Norte, não há espaço para isso.

É ainda uma minoria que se sente prejudicada pelo governo?
É difícil pôr em números, mas decerto é um número cada vez maior. Em especial aqueles que vivem perto da fronteira chinesa, porque têm acesso à tv estrangeira. Curiosamente, embora seja um país aliado, a China é uma das maiores ameaças ao poderio da Coreia do Norte, pois os norte-coreanos que fogem para lá acham que o país pode ser mais pobre e descobrem que os chineses comem melhor e têm eletricidade.

O livro mostra como a força do governo diminuiu a partir dos anos 90, já que a comida distribuída era o melhor meio de controlar a população e até de fazer uma espécie de censo, mas as rações minguaram.
Isso foi muito forte. Com a fome, surgiu o mercado negro, que ia contra o que a população entendia como certo. Kim Jong-il dizia que o mercado negro era perigoso para o socialismo, mas as pessoas descobriram que era melhor comprar a esperar presentes. Não há dúvida de que o governo está mais fraco.

E o quão confiáveis são as estatísticas de mortes pela fome, se hoje em dia nem o governo sabe quantas pessoas vivem no país?
Há vários estudos. O número é algo entre 1 milhão e 2 milhões de mortos desde os anos 90. Um dos motivos que dificultam o cálculo é que não é como se a pessoa caísse e morresse. A fome causa morte de diferentes maneiras.
Muitos comem alimentos substitutos, madeira, bagaços sem nutrientes, e pegam doenças que seriam controláveis. Fala-se em 2 milhões, mas é muito mais que isso. Se você vê a expectativa de vida nos últimos 20 anos, você vê que aquele que morria com 70 agora morre aos 63, e que mais crianças não chegam à idade adulta.

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