Diário de Nova York
O MAPA DA CULTURA
Paisagem em mutação
Público e privado redefinem Manhattan
DEPOIS DA INAUGURAÇÃO da terceira e última fase do High Line, em setembro passado, confirmando o enlace feliz dos setores público e privado, o Hudson River Park Trust anunciou o plano de construção do Pier 55, um parque suspenso no rio Hudson, mirando o bairro do Meatpacking, em Manhattan, a 50 metros da costa. A previsão é de que fique pronto já em 2016. O projeto futurista é do britânico Thomas Heatherwick, responsável pelo estádio da Olimpíada de Londres.
Por trás dos custo do Pier 55, avaliado em US$170 milhões, estão o magnata da mídia Barry Diller, mais a mulher, a estilista Diane von Furstenberg, dispostos a bancar, por meio da sua fundação, US$130 milhões. Ao lado de figuras como o ex-prefeito da cidade, Michael Bloomberg, o casal também é membro do Amigos do High Line, que já arrecadou US$44 milhões dos US$190 milhões gastos no parque suspenso de Chelsea.
O Pier 55 também leva o carimbo social e ecológico do High Line. A região já foi terra de ninguém, com seringas amanhecidas às margens de um rio bem poluído. A ilha, do tamanho de dois campos de futebol, com diversos espaços para espetáculos, promete ingressos acessíveis. Um dos lados da plataforma ondulante será mais elevado para que o sol penetre na água, garantindo proteção à fauna do rio, que aos poucos volta a respirar.
E vem mais por aí. O Culture Shed, centro cultural planejado para 2018, que deve abrigar a semana de moda de Nova York, já levantou por meio de doações dois terços dos US$360 milhões estimados para sua realização. O prédio é uma das grandes promessas do bairro em construção, adjacente à nova parte do High Line, o Hudson Yards.
A questão que se levanta é se haveria um certo servilismo por parte da cidade diante do controle privado dos novos espaços públicos, que aos poucos redefinem a paisagem. E há preocupação também com a manutenção dessas estruturas ultramodernas.
PARA A POSTERIDADE
Em contraste com o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que doou milhões do próprio bolso para o High Line, Bill de Blasio nunca subiu ao parque visitado por quase 5 milhões de pessoas ao ano.
No início de sua gestão, De Blasio sugeriu que as grandes iniciativas privadas criavam "uma dinâmica quase colonial" na cidade, onde certas áreas ficavam cada vez mais elitizadas, enquanto outras seguiam esquecidas. Curiosamente, aplaudiu o projeto da ilha que está por sair do papel. Talvez esteja de olho nas glórias da posteridade.
MAIS BRUTALISMO
Também no Meatpacking, o novo museu Whitney, projetado por Renzo Piano, que para alguns lembra um navio e para outros parece uma torre de controle de algum aeroporto na China, deve estrear em maio deste ano com a coleção geral do acervo.
Enquanto isso, na sede do Upper East Side, o brutalismo de Marcel Breuer se faz mais presente com o prédio vazio e o fluxo intenso de caminhões, em plena reforma para abrigar parte da coleção do museu Metropolitan. Antes que ela se perca na mudança, vale a pena visitar a supercoleção cubista de Leonard Lauder, doada ao Met em outubro. As 81 obras, avaliadas em US$1 bilhão, trazem grandes telas de Braque, além de Picasso, Gris e Léger, e fica em exibição até 16 de fevereiro.
CLUBE DO DOCUMENTÁRIO
Outro dia assisti a "The Art of the Steal", documentário sobre a coleção Barnes, considerada uma das mais importantes do mundo no segmento da arte moderna. Bem interessante para quem quer entender o maquinário obscuro de um conselho repleto de gigantes da filantropia. O filme de Don Argott está disponível no site do Doc Club, um cineclube virtual, cria do Sundance (www.docclub.com).
A seleção é de críticos como Thom Powers e Robert Ebert e traz clássicos do underground, como o deslumbrante "Gates of Heaven", de 1978. O filme, sobre os cemitérios de bichos de estimação, é mais que um retrato da sociedade americana e seus monumentos bizarros. É também uma reflexão profunda sobre a morte, sobre valores essenciais do homem e, portanto, sobre a esperança de um mundo melhor. Em tempo, feliz 2015!