Imaginação
PROSA, POESIA E TRADUÇÃO
Um encontro incômodo
– Senhor Jean Daragane?
Reconheceu a voz de imediato. Diante dele se apresentava um homem de seus 40 anos, acompanhado por uma moça mais nova.
– Gilles Ottolini.
A mesma voz, suave e ameaçadora. Apontou para a moça.
– Uma amiga minha... Chantal Grippay.
Daragane permaneceu na banqueta, imóvel. Nem sequer estendeu-lhe a mão. Os dois sentaram-se de frente para ele.
– Desculpe-nos o atraso...
Falou em tom irônico, provavelmente para tentar disfarçar algum embaraço. Sim, era a mesma voz, com um leve, quase imperceptível sotaque do Midi, o qual Daragane não havia notado na conversa da véspera ao telefone.
Pele cor de marfim, olhos negros, nariz aquilino. Um rosto muito fino, tanto de frente como de perfil.
– Aqui está o seu pertence – disse a Daragane, com o mesmo tom irônico, que parecia esconder algo incômodo. E tirou do bolso do paletó a caderneta de endereços.
Colocou-a sobre a mesa, encobrindo-a com a palma da mão, os dedos entreabertos. Dir-se-ia que assim visava impedir que Daragane a pegasse.
A moça mantinha o corpo um pouco mais para trás, como se não quisesse chamar atenção para si. Morena, cerca de 30 anos, cabelos não muito longos, usava camisa e calça pretas. Fitava Daragane com um olhar inquieto. Por causa das maçãs do rosto e dos olhos amendoados, ele especulava se ela não teria origem vietnamita ou chinesa.
– Onde o senhor a achou?
– No chão, debaixo de uma banqueta, no restaurante da estação de Lyon.
Estendeu-lhe a caderneta de endereços. Daragane guardou-a no bolso. Com efeito, lembrava-se de ter chegado à estação bem antes do horário previsto para a partida para a Côte d'Azur, e de que realmente se sentara no restaurante do primeiro andar.
– Quer beber alguma coisa? – perguntou-lhe o tal Gilles Ottolini.
Daragane sentiu vontade de partir. Mas mudou de ideia.
– Uma Schweppes.
– Procure alguém para anotar o nosso pedido. Para mim é um café – disse Ottolini, virando-se para a moça.
Esta se levantou imediatamente. Parecia acostumada a obedecer-lhe.
– O senhor deve ter ficado bem chateado por perder a caderneta...
Emitiu um sorriso estranho, que, para Daragane, parecia insolente. Mas talvez fosse fruto da timidez ou por se sentir sem jeito.
– Sabe de uma coisa? – perguntou Daragane. – Eu praticamente já não uso o telefone.
O outro o fitou com espanto. A moça voltava, retomando seu lugar à mesa.
– Não servem mais nada a esta hora. Estão fechando.
Era a primeira vez que Daragane ouvia a sua voz, uma voz rouca, sem o leve sotaque do Midi do vizinho de mesa. Era um sotaque, digamos, parisiense, se é que isso ainda significa alguma coisa.
– Você trabalha aqui perto? – perguntou Daragane.
– Em uma agência de publicidade, na rua Pasquier. Agência Sweerts.
– Você também?
Tinha se virado para a moça.
– Não – disse Ottolini, sem dar tempo de a moça responder. – No momento ela não está trabalhando.
De novo aquele sorriso crispado. E a moça também esboçou um sorriso.
Daragane queria sair logo dali. Conseguiria depois se livrar daquela dupla se não o fizesse de imediato?
– Vou ser sincero com o senhor... – e se inclinou na direção de Daragane, com a voz em tom mais agudo.
Daragane teve a mesma sensação da véspera, ao telefone. Isso mesmo. O sujeito era insistente como um inseto.
– Tomei a liberdade de folhear a sua caderneta... por mera curiosidade...
A moça virou o rosto, como se fingisse não ouvi-lo.
– Não fica chateado comigo, não é?
Daragane fitou-o diretamente nos olhos. O outro sustentou o olhar.
– Por que eu deveria ficar?
Um silêncio. O outro acabou baixando os olhos. Em seguida, com a mesma voz metálica:
– Vi na caderneta o nome de uma pessoa. E gostaria que o senhor me desse algumas informações sobre ela...
O tom agora ficara mais humilde:
– Desculpe-me a indiscrição.
– Que pessoa é essa? – perguntou Daragane, contrariado.
Sentiu de repente necessidade de se levantar e caminhar a passos rápidos em direção à porta que dava para o bulevar Haussmann, para respirar ao ar livre.
– Um tal de Guy Torstel.
Pronunciou o nome e o sobrenome destacando sílaba por sílaba, como se quisesse avivar a memória adormecida de seu interlocutor.
– Como?
– Guy Torstel.
Daragane tirou a caderneta do bolso e abriu-a na letra T. Leu o nome, bem no alto da página, mas aquele Guy Torstel não lhe evocava nada.
– Não faço ideia de quem seja.