Índice geral Ilustrissima
Ilustrissima
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Diário de Pequim

O MAPA DA CULTURA

Cinema de Estado

Em cartaz, pirataria e protecionismo

FABIANO MAISONNAVE

IR AO CINEMA em Pequim não é fácil: os filmes estrangeiros são limitados a 20 por ano, os nacionais andam insossos e chapa-branca. Mas a cidade esconde um pequeno milagre: as inesgotáveis lojinhas de DVDs, com cópias quase sempre de ótima qualidade, embaladas em caixinhas bem produzidas. Tudo por R$ 3 em média.

Minha loja favorita fica em Sanlitun, região muito frequentada por estrangeiros. Está quase sempre cheia. Sem o título em mandarim, pouco adianta pedir ajuda. Uma coleção de 45 filmes de Bergman sai por R$ 165; a de Almodóvar (17 filmes) custa R$ 50. Todo o "Seinfeld", R$ 80. Não faltam produções censuradas, como "Blind Shaft", ótimo drama ambientado nas minas de carvão do país.

A surpresa foi topar com "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha, um dos vários filmes brasileiros à disposição ("Tropa de Elite 2" é um grande sucesso aqui).

FLORES DO ORIENTE

O melhor exemplo da má fase do cinema chinês é "Flores do Oriente", de Zhang Yimou, cada vez mais distante dos filmes independentes do início da carreira, como "Lanternas Vermelhas".

Estrelado por Christian Bale, o longa, que chega no mês que vem ao Brasil, retrata a invasão japonesa à cidade de Nanjing, em 1937, que deixou de 250 mil a 300 mil chineses mortos. A produção de US$ 100 milhões, recorde local, foi criticada por caricaturar os japoneses como sádicos, assassinos e estupradores, e os chineses como estoicos e altruístas. Nada diferente do que se ensina na escola.

Zhang tem se aproximado do governo. Em 2008, dirigiu a abertura dos Jogos de Pequim. Seu filme "Herói" (2002) foi visto como uma justificativa para a perpetuação do Partido Comunista no poder. Assim, não foi surpresa que "Flores do Oriente" tenha sido escolhido pelo governo para representar a China no último Oscar. E tampouco causou espanto que tenha ficado de fora das indicações.

COTA DE TELA

Muitas vezes, é difícil saber para qual rumo a China vai. O governo vem impondo restrições na TV: produções importadas, por exemplo, só podem ocupar até 25% da grade de programação.

Em outubro, o dirigente máximo do país, Hu Jintao, acusou em artigo "forças hostis internacionais" de um "complô estratégico para ocidentalizar e dividir a China". Para ele, "os campos ideológicos e culturais são as áreas focais de sua infiltração no longo prazo".

Pois, em fevereiro, seu provável sucessor, o vice-presidente Xi Jinping, assinou, em Los Angeles, um acordo que permite a entrada anual de mais 14 filmes no formato Imax ou 3D. Às empresas estrangeiras caberão 25% da bilheteria, contra os atuais 17%. O provável motivo do acordo foi a determinação da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2009 para flexibilizar o protecionismo chinês. O prazo venceu no ano passado.

A mudança será bem recebida. Cerca de 300 filmes nacionais estrearam em 2011, mas os campeões de bilheteria foram, na ordem, "Transformers: O Lado Oculto da Lua", "Kung Fu Panda 2" e "Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas". O mercado chinês cresceu perto de 25% ao ano na última década, segundo dados oficiais. As salas devem chegar a 16 mil em 2012, contra 6.200 em 2010.

O JEJUM DE WAN JUN

Conheci o artista performático Wan Jun, 29, em meados de 2011. Amigo de Ai Weiwei, foi detido três vezes em dois meses. Há um ano, depois de aparecer com uma camisa "Free Ai Weiwei" no Arte Pequim, mostra internacional de arte, passou 36 horas sem comer e beber. "Disseram que, se repetisse o protesto, seria expulso de Pequim", ele me contou, num café do distrito de arte 798.

Ao apoiar Ai Weiwei, hoje em prisão domiciliar, perdeu o emprego de editor na revista eletrônica "Além Arte" e teve o contrato de aluguel do apartamento revogado. Até um restaurante se recusou a servi-lo. Em 18/3, por iniciativa própria, Wang Jun começou um novo jejum. Passou a "morar" numa balança (capaz de pesar um elefante), em um hotel. Por um mês, ficará sem comer para "experimentar" perder peso. Não irá sequer ao banheiro -bastam-lhe garrafas plásticas e uma cortina. Tudo está sendo gravado.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.