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Entrevista

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Raízes do pop-lulismo

Quanto vai durar o realinhamento eleitoral?

PAULO WERNECK

RESUMO
Livros procuram explicar a relação do eleitorado mais pobre, decisivo nas eleições brasileiras, com o ex-presidente Lula. O cientista político André Singer consolida sua tese do realinhamento eleitoral a que chamou "lulismo". E a socióloga Amélia Cohn analisa as demandas dos eleitores nas cartas enviadas ao Planalto.

chega às livrarias no final do mês o livro que consolida a teoria do cientista político André Singer sobre o "lulismo", expressão que ele cunhou em artigos e em sua tese de livre-docência, defendida em 2001, no departamento de política da Universidade de São Paulo.

Em "Os Sentidos do Lulismo" (leia mais nesta página), Singer expõe, amparado por inúmeras tabelas e pesquisas, a versão brasileira de um fenômeno observado nos EUA dos anos 1930, em torno do presidente Roosevelt: o "realinhamento" do eleitorado, isto é, o rompimento de determinados setores com adesões históricas, substituindo lideranças de forma duradoura. Ou, como quer Singer no caso brasileiro, "definitiva".

Além de professor da USP, singer é jornalista -foi secretário de Redação da Folha- e foi porta-voz de Lula na Presidência, de 2002 a 2007, de onde observou a guinada tanto do governo como da opinião pública entre 2005 e 2006, quando começa o fenômeno do lulismo -e eclode o escândalo do mensalão.

"Os Sentidos do Lulismo" é, porém, o trabalho de um cientista social -por isso não espere as revelações e os bastidores que são a delícia das memórias de ex-membros de governos. Singer diz ter a intenção de, um dia, "fazer um depoimento, algo mais pessoal".

Nesta entrevista, concedida em sua casa, na Vila Madalena, em São Paulo, ele comenta aspectos de seu trabalho e da política brasileira.

Folha - Embora não esteja no foco da análise, o livro mostra como o mensalão catalisou o antilulismo. O mensalão aglutina insatisfações?
André Singer - Foi o ponto em que a classe média definitivamente se afastou do que depois veio a ser o lulismo. Esse é o momento em que o lulismo e o antilulismo se cristalizam. A minha hipótese é que houve um percurso algo silencioso, um pouco subterrâneo, de mudanças importantes, que ocorreram ao longo do primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Essas mudanças acabaram por cristalizar uma nova polarização política, que se expressou nas eleições de 2006. Se você pegar a curva de intenção de votos pelo Datafolha desde o começo de 2006, quando ainda as pessoas não estão muito ligadas na questão eleitoral, e for vendo como isso transcorre ao longo de 2006, percebe que a configuração já é outra, bem diferente daquela que tinha se dado em 2002.
Houve esse deslocamento de apoios: de um lado, os eleitores mais pobres se aproximando do Lula, e, de outro, os eleitores de renda mais alta se afastando. Essa clivagem não tinha ocorrido no Brasil desde 1989, quando aconteceu no sentido inverso: Lula ganhou no segundo turno em todas a faixas de renda, menos na mais baixa, e Collor perdeu em todas, menos na mais baixa.
Isso mostra como esse eleitorado mais pobre é muito mais importante do que se costuma pensar. Se você cruzar o apoio ao governo Lula com a renda familiar, percebe que, em 2005, com a divulgação das notícias do mensalão, começa a haver perda de apoio nos segmentos de classe média, a partir de cinco salários mínimos de renda familiar. Minha hipótese é que essa perda de apoio, vou usar uma palavra um pouco forte, pois na história as coisas acabam por mudar, é definitiva. Eu creio que seja uma mudança de longo prazo.

É um erro a teoria de que a classe média forma opinião da baixa?
Aí existe um equívoco, de que a classe média formata a opinião de pessoas que têm menos renda, menos escolaridade, menos informação. Mas isso é menos importante que uma mudança estrutural que aconteceu: havia um grande bloco, formado pela adesão, sobretudo no Nordeste, dos eleitores mais pobres do interior, ao voto conservador.
Isso é uma tradição política que vem de muito longe. Se você observar, já no período 1945-64 essas são regiões que votam sistematicamente na UDN e no PSD [partidos conservadores], não votam no PTB [partido de Getúlio Vargas], só no final do período que o PTB começa a chegar no Nordeste, primeiro nas regiões mais urbanizadas.
Aí vem o golpe militar. Se você observar, vai ver que a Arena sempre ganha as eleições nessas regiões, até o final do regime militar. Ao terminar a ditadura, o partido que emerge com mais força da antiga Arena, que é o PFL, tem muita reserva de votos, até o governo Lula, a ponto de o PFL, numa sobrevivência forte desse conservadorismo, atravessar o regime militar e chegar a ter uma aspiração plausível de disputar a Presidência República em nome do bloco comandado pelo FHC.
Se não fosse a morte de Luís Eduardo Magalhães, possivelmente ele fosse candidato. As pessoas esquecem, em face do que está acontecendo com o Democratas, que o PFL teve muita força nos anos 90. Acontece que o lulismo rompeu esse bloco, rompeu com isso aí.

O que pensa da crítica ao lulismo por ter desmantelado sindicatos?
O lulismo é uma opção de fazer essas mudanças de maneira pactuada. Por isso, falo em pacto conservador, que implica um preço a pagar: as mudanças serão bem lentas. Todo o bloco político diretamente vinculado ao lulismo ou influenciado por ele sofre a repercussão dessa opção. Há uma espécie de rebaixamento do antigo radicalismo do PT e de todas as suas áreas de influência, quem sabe até os próprios sindicatos.
Tenho dúvida, mas não sou especialista no assunto, é se houve um movimento de cooptação que, por assim dizer, desdentou os sindicatos. Um exemplo destes dias é a posição da CUT em relação à greve dos funcionários públicos. A CUT está se comportando, segundo observo, como uma central sindical. Não é parte do governo, mas do movimento sindical, e está cumprindo sua função de expressar interesses dos trabalhadores.

Chama a atenção no livro que você procura fundamentar o famoso bordão de Lula, "nunca na história desse país...", arriscando uma interpretação mais profunda para o que parece mero lance retórico.
O que tento fazer ali, e o livro todo tem essa intenção, é explicar. A minha principal aspiração é fornecer um hipótese explicativa. Essa frase, que irrita muito uma parte da opinião pública, tem a ver com isso: ele não está falando com os chamado formadores de opinião, mas com pessoas para as quais de fato isso faz sentido. Não que essas políticas tenham começado rigorosamente no governo Lula, mas elas deram um salto de qualidade de tal ordem que, para esse setor mais carente da sociedade, faz sentido a ideia de que agora, pela primeira vez, o Estado está olhando para mim, está tentando me amparar.

Você teme que o livro seja percebido como alicerce teórico do governo, sem independência intelectual?
Temo, pois acho que seria uma forma de desqualificar o trabalho. Embora eu possa estar equivocado em tudo, desde as premissas até as conclusões, passando pelos argumentos, julgo que fiz um esforço intelectual honesto para demonstrar aquilo que estava vendo.
Estou comprometido com um tipo de independência crítica que é a contribuição que os intelectuais podem e devem dar. Gostaria que meu trabalho fosse lido dessa forma, que fosse objetado e contestado, mas com base na argumentação interna e nas evidências empíricas que proponho, e não em uma afirmação desse tipo, que pode simplesmente desqualificar.

Leia a íntegra em folha.com/ilustríssima

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