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Simplesmente trepar

CAROL BENSIMON

Maureen encontrou no banheiro a segunda parte de uma trilogia pornô. Você sabe, todo mundo estava comprando, mas não minhas amigas. "Isso é seu, Alicia?", disse Maureen ao voltar à cozinha, balançando o livro como se ele fosse o panfleto de uma ideologia ultrapassada. Todos nós estávamos lá. Era uma peça antiga que previa um time completo de serviçais, transformada por Christian e Alicia em alguma coisa entre uma página da Wallpaper e o embate cruel do homem com seu tempo. Os abajures tinham sido ideia de Christian.

"Eu sei, é terrível", respondeu Alicia. "Eu esperava 'fist fucking' e encontrei uma virgem assustada."

Maureen esvaziou a garrafa de vinho. "Abre o seu, Anastasia."

Nós esquecemos o livro na ponta do balcão.

Três garrafas vazias queriam dizer: Alicia e Christian roçando os quadris nas ocasiões em que o preparo do peixe escabeche permitia. Christian perguntando a Maureen: "Por que você raspou um pedaço do cabelo?". Alicia retrucando: "Deixa ela. É sexy." Eu pensando que Christian era melhor amante que marido. Pensando em mãos masculinas. Pensando em subidas lentas pelas coxas de quem jogava tênis (eu jogava tênis, três vezes por semana). Pensando em como parar de pensar nisso.

Quatro garrafas vazias queriam dizer: que Maureen relataria sua primeira e única experiência lésbica, em um trem para Berlim, concluindo que aquele fora o melhor sexo oral de sua vida, ela tinha o ritmo perfeito, a língua tão macia, nós estávamos atravessando o norte do país e isso me deixava excitada, pela janela eu vi as luzes da estação de Hanover passarem como estrelas cadentes. "Estrelas cadentes, Maureen?", rebateria Christian. "Você não pode trepar sem pensar em estrelas cadentes? Simplesmente trepar?"

Quatro garrafas vazias queriam dizer que Alicia ficaria prostrada no sofá com o olhar distante, que eu me sentiria desesperançosa (mais uma noite gasta nas aparências), que Christian faria um esforço para ocultar sua ereção, cuja origem teriam de ser as tais estrelas cadentes.

Nós nos lembramos do livro. Fui atrás. Quando voltei à sala, Alicia tomou-o de mim, virando as páginas com violência. Escolheu uma cena. Comecei a ler em voz alta. Naquela altura, eu tinha uma vaga ideia de que o livro nos uniria de novo, mas minhas previsões paravam nas gargalhadas e no deboche compartilhado, afinal isso era o que a gente fazia na maior parte do tempo: rir de tudo e de todos que não éramos nós quatro.

Os personagens estavam na cama.

Beije-me, sussurro.

Onde?

Você sabe onde.

Envergonhada, aponto rapidamente para o local onde minhas coxas se encontram-

"Onde minhas coxas se encontram?", protesta Christian. "Por que ela não diz o maldito nome?"

Espero alguma outra reação antes de seguir. Nada. Olho por cima do livro e então vejo Maureen e Alicia se beijando. Maureen tem a mão precisamente no encontro das coxas de Alicia. Christian está olhando para a cena também, como se aquilo estivesse há muito tempo para acontecer. Ele chega perto de mim e me deita no sofá.

O quarto está iluminado apenas pela luz da sala. Isso é uma cama king size? Vamos esperar que seja uma cama king size. Christian se mexe sobre mim. Se eu me virar para a direita, posso ver os olhos fechados de Alicia, a boca desesperada de Alicia a fim de gritar, e Maureen está lá embaixo, talvez ajoelhada no chão. Depois eu estou beijando Alicia, com Christian atrás de mim, e finalmente Maureen se encaixa em algum lugar. Os dedos ficam meio anônimos. Por um instante, cruzo os olhos com Maureen. Mesmo que ela esteja com o cabelo desgrenhado, a lógica do corte se mantém, com aquele pedaço raspado na lateral. Digo: "Teu cabelo tá bonito". Ela sorri. Christian me puxa para junto dele.

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