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Imaginação

PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Três poemas

LEANDRO SARMATZ

Felice

Havia algo de nacional-socialismo em meu olhar.

Era à noitinha. Ela então veio a mim

bem devagar: deixara a cidade, algum tipo de passado

e outro dono, talvez.

(Porque tudo, quase tudo, se resume a ter um dono.)

Alguns dias se passaram e seu cheiro, seu olhar desamparado

e seu ar de forasteiro

-tudo isso me exasperava.

Eu dirigia-lhe palavras e outras vacuidades,

ela parecia temer ser violada.

E assim ficamos um tempo sem medida

até finalmente chegar o momento da tortura.

Ela implorava para nunca ser lembrada, miava agudo

de uma maneira que apenas aguçava a minha vontade:

"Quando eu descobri essa delícia?" -eu murmurava

enquanto vagava pela casa à sua procura-

"Que deus nostálgico do horror me trouxe

para o centro desse desejo inextinguível?"

Ela se escondia atrás da porta, ou no banheiro,

atrás do fogão ou tiritando sob a cama.

Eu a caçava cheio de ardor,

metia-lhe dentro do meu carro e a obrigava

a rever toda a cidade em pleno sol de abril.

Era de conhecimento quase geral, e no máximo

pagavam-lhe um copinho de sorvete.

Balada hebraica

Ao vê-los escuros

Ao vê-los gastos

-pântano, memória e tumba-

lembro que Herzl teve suas ideias

depois de escutar Wagner.

Inundação

Não sabendo hoje mais do que eu já soube

como alguém que descobre em si o gene da derrota

ouço a canção de ninar abortos

todos esses hinos de balcânica euforia:

subterrâneos vivos

ossários de papel notícia.

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