São Paulo, domingo, 01 de maio de 2011

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IMAGINAÇÃO
PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Tipos de arquitetura

O grafismo sensível e interminável de Steinberg

Saul Steinberg/Yale University - c. 1945 - 50


LUCAS NEVES

"TIPOS DE ARQUITETURA", o desenho que se esparrama pelas dez páginas deste especial da seção "Imaginação" da Ilustríssima, é um dos quatro murais que integrarão a exposição de Saul Steinberg no Instituto Moreira Salles do Rio, a partir de 28 de maio -o conjunto de 111 obras virá para São Paulo em setembro.
Trata-se da primeira vez no mundo que o trabalho, de 7,5 m de comprimento por 45 cm de altura, é publicado na íntegra. Para acomodá-lo nas dimensões do jornal (31,75 cm x 56 cm), a reprodução se dá em escala reduzida.
No mural, o artista percorre a história das construções com uma cronologia subjetiva, que embola estilos e épocas em um registro que resulta mais sensorial do que didático.

LÉXICO GRÁFICO Casas nas árvores e moradas na caverna desembocam em castelos e masmorras medievais, que se reconfiguram em minaretes bizantinos, antes de se insinuar uma fachada de colunas jônicas. Logo tudo irá por terra para se reinventar como casa modernista, conjuntos residenciais populares de inspiração soviética, um "skyline" de cartazes e letreiros e os "ETC. ETC. ETC." monumentais, talvez uma solução do léxico gráfico de Steinberg para sugerir um "até onde a imaginação alcançar". Ao rigor dos croquis, ele opõe o arbítrio da escolha artística. Composição e decomposição num traço só.
Ao lado de "Tipos de Arquitetura" estarão "Litorais do Mediterrâneo" (45 cm x 4,6 m), "Cidades da Itália" (45 cm x 2,7 m) e "A Linha" (45 cm x 10 m), todos realizados para a 10ª Trienal de Milão, 57 anos atrás, e atualmente sob a custódia da Fundação Saul Steinberg, onde os rolos de papel ficam guardados.
Na mostra de arte italiana, o traço econômico e irrequieto do artista serviu de base para incisões em três paredes do "Labirinto das Crianças", no qual um grupo de arquitetos propunha uma "flânerie" lúdica pela história das artes. Ao lado de Steinberg, figuravam criações do americano Alexander Calder, do francês Fernand Léger e do escultor italiano Constantino Nivola.
Esse recorte da produção em grandes proporções de Steinberg não era exibido em conjunto desde 1954. O artista produzira seu primeiro painel sete anos antes, para uma loja de departamentos de Nova York, e se despediria do formato em 61, com um trabalho para uma residência milanesa.

ARQUITETURA A trinca formada por "Arquitetura", "Litorais" e "Cidades" explicita a formação arquitetônica de Steinberg -ele foi contemporâneo de Lina Bo Bardi na academia, em Milão. Em meio à representação apolínea de formas e volumes, sempre há margem para a inserção de comentários irônicos. O arquiteto francês Le Corbusier foi certeiro ao comentar o trabalho de Steinberg, em carta que lhe enviou em 1956:
"Sua passagem pela arquitetura rendeu-lhe uma óptica e um pendor para a construção e a simplificação que lhe permitirá, quando quiser, realizar quadros magníficos. E quando falo em quadros, penso, sobretudo, em intervenções murais".
"A Linha", que completa o conjunto exposto, é talvez o ápice instintivo: ali, o artista se permite brincar de forma escancarada com a livre associação de ideias, levando sua protagonista (como a curadora da exposição, Roberta Saraiva, define a linha do título) a se transmutar sucessivamente em varal, trilho ferroviário, espelho d'água atravessado pela nadadora, mesa de trabalho, horizonte egípcio e, nas extremidades, traço solitário de um alter ego desenhista.

IRONIA É o mural em que mais fica patente o traço steinberguiano que o crítico Flávio Motta destacou em texto para o "Diário de S. Paulo" em 1952, por ocasião da exposição individual que o Masp lhe dedicara: "Um não acabar mais [...], um mundo surpreendente, produto desse grafismo sensível e interminável". Uma inércia que dialoga com a sociedade automatizada, sem tempo para pausas que começa a tomar vulto diante dos olhos de Steinberg, ao mesmo tempo em que a reveste de notas irônicas.
A mostra paulistana reuniu entre 70 e 80 desenhos, aí incluídas algumas séries monotemáticas de caubóis, pontes e estações de trem, três das obsessões do artista. Àquela altura apenas um nome ascendente na cena americana, Steinberg foi apresentado por Pietro Maria Bardi, então diretor do museu, em texto distribuído à imprensa, como "o mais paradoxal e mais humano dos desenhistas humorísticos surgidos da arte moderna", um criador com a habilidade de se postar "exatamente no ponto em que a realidade se choca com a inspiração".
Steinberg compareceu à abertura da exposição. Acompanhado da mulher, lançou-se num périplo pelo país após o vernissage, com escalas em Petrópolis, Rio, Recife, Salvador, Belém e Manaus. Da turnê tupiniquim levaria cartões-postais e anotações que serviriam de matéria-prima para os desenhos "Pernambuco" e "Grande Hotel de Belém", ambos expostos na mostra de agora.
"Nos trabalhos, ele brinca com os clichês de representação, com a forma como toda cidade pretende ser, mas não é", diz Roberta Saraiva.

No mural que se esparrama por esta Ilustríssima, o artista percorre a história das construções com uma cronologia subjetiva, que embola estilos e épocas

A trinca formada por "Arquitetura", "Litorais" e "Cidades" explicita a formação arquitetônica de Steinberg -ele foi contemporâneo de ?Lina Bo Bardi na academia, em Milão


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