São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2011

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DIÁRIO DO RIO
O MAPA DA CULTURA

O império dos sentidos

O tempero do morro, onde petit-pois é trufa

RUY CASTRO

A EXEMPLO DOS colonizadores que levaram séculos arranhando o litoral até se aventurar pelo interior, os visitantes do Rio (e mesmo os cariocas) só agora, com a instauração das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), começam a se descolar da orla marítima e explorar os morros da cidade. E, com isso, estão descobrindo um novo universo gastronômico.
O máximo da baixa culinária carioca está fumegando nas panelas e caçarolas dos bares, restaurantes e até fogões particulares do Santa Marta, Chapéu Mangueira, Pavão-Pavãozinho e outros morros que, até outro dia, só apareciam no noticiário policial. Hoje estrelam os suplementos de turismo e de comida dos jornais, com a sua sofisticação na simplicidade e a contagiante simpatia dos moradores.
No morro, petit-pois é trufa e fazem-se maravilhas com um ovo estrelado. O segredo está na mão dos cozinheiros, cujo talento para o tempero não demorará a levar muitos deles para os restaurantes do asfalto. É só ver os aplausos que arrancam com um simples PF tipo carré com salada ou contrafilé com fritas. Dica de um prato e lugar? A feijoada de frutos do mar (com feijão branco) do Bar do David, no Chapéu Mangueira, no Leme. E não se deixe levar pela acachapante vista que se tem de qualquer dos morros. É o império dos sentidos, mas tente se concentrar em um de cada vez.

WILSON BATISTA RENASCE
O melhor disco de samba do ano e talvez o songbook mais criativo já feito no país: "O Samba Carioca de Wilson Baptista", CD duplo produzido e interpretado por Rodrigo Alzuguir, com assistência de Claudia Ventura e participação de Elza Soares, Roberto Silva, Marcos Sacramento, Rosa Passos, Mart'nália, Zélia Duncan, Cristina Buarque, Wilson das Neves e muitos outros, interpretando mais de 80 sambas de Wilson. Saiu em julho pela Biscoito Fino com tiragem mínima, evaporou-se das lojas e já é quase peça de colecionador. Só no Brasil.
Wilson Batista (1913-68) passou à história como autor (com diversos parceiros) de "Oh, Seu Oscar!", "Emília", "Louco", "Acertei no Milhar", "Pedreiro Waldemar", "Preconceito", "Mundo de Zinco", "Mãe Solteira", "Balzaquiana" e pela polêmica com Noel Rosa, que rendeu, de sua parte, "Lenço no Pescoço". Mas esse disco demonstra como, apesar de tudo, Wilson estava subestimado.
Alzuguir desencavou pequenas obras-primas do sambista, esquecidas ou até então inéditas, como "Louca Alegria", "Que Malandro Você É!", "Rei Chicão", "Timidez", "Boa Companheira", "A Morena Que Eu Gosto", a sublime "Nelson Cavaquinho" etc. e que, agora, graças a ele, se incorporaram à história. O encarte do CD é outro primor de informação e projeto gráfico, antecipando a biografia de Wilson Batista que Alzuguir (também escritor) promete para o centenário do homem em 2013. Esta eu não perco.

PROGRAMA DE SEGUNDA
Samba e feijão numa tarde de segunda-feira? É um programaço, mas poucos cariocas podem desfrutá-lo. Só desempregados, aposentados, estudantes em férias e profissionais liberais, que são senhores de seus horários, além dos turistas, donde a alta incidência de paulistanos no terreiro.
O terreiro é o do Clube Renascença, no Andaraí (r. Barão de S. Francisco, 54; tel. 0/xx/21/3253-2322), e o programa é o Samba do Trabalhador, roda a cargo de Moacyr Luz, que começa por volta de 16h, à sombra de uma caramboleira, e avança noite adentro. Entre um show e outro, os visitantes atacam a feijoada. Se Jorge Ferraz, ex-presidente do clube, estiver nas premissas, é possível que a feijoada seja enriquecida com uma rabada.
Nesta época do ano, com temperatura menor que 30ºC, a roda já é infernal. Mas o apogeu, claro, é no verão, quando o termômetro encosta nos 40ºC e, de fato, corre-se o risco de morrer. De prazer.

VIAJANTES DESLUMBRADOS
De 1700 em diante, se houver uma imagem do Rio em qualquer coleção do mundo, o carioca George Ermakoff a encontrará. Já tinha demonstrado isso em livros que recuperam o acervo fotográfico da cidade de 1840 a 1960. Agora, com "Paisagem do Rio de Janeiro - Aquarelas, desenhos e gravuras dos artistas viajantes, 1790-1890" [G. Ermakoff, 406 págs., R$ 220], ele se superou. É um livro a se pôr na mesa de centro e deixar aberto em qualquer página.


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