São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2011

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DIÁRIO DE CARACAS
O MAPA DA CULTURA

A volta do Chacal

Minissérie "Carlos" perfila terrorista venezuelano

FLÁVIA MARREIRO

EM CARACAS, o controle cambial imposto por Hugo Chávez em 2003 afeta até o calendário de cinema, cochicham nos bastidores os distribuidores ávidos por dólares. Em julho, sem mais explicações, a Paramount anunciou que, "até novo aviso", não lançará filmes no país. A notícia causou rebuliço adolescente, pois significa o adiamento por tempo indeterminado da estreia de "Transformers: O Lado Oculto da Lua".
Felizmente, o que tardou, mas chegou, foi "Carlos", longa do francês Olivier Assayas (de "Clean"). A minissérie televisiva foi transmutada em um filme de quase três horas que conta a vida do famoso terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, vulgo Carlos, o Chacal. Quem encarna o homem mais procurado do mundo nos anos 1970 e 1980 é o também venezuelano Édgar Ramírez, numa atuação indicada ao Globo de Ouro e agora ao Emmy (a ser entregue em setembro).
O curioso é que, não faz muito tempo, Ramírez -formado em comunicação e ex-ativista político- era o "Reynaldo Gianecchini" local. Na boca do povo, ainda é "el Cacique", galã da novela "Cosita Rica" (coisinha gostosa), exibida entre 2003 e 2004. Em seu formato original, "Carlos" começa a ser exibida no Brasil hoje, às 22h, na HBO.

ITÁLIA CARAQUENHA
Encarapitada numa das várias colinas de Caracas -e com uma bela vista para a principal montanha da cidade, Ávila- está uma das joias da arquitetura e do design modernistas do século 20: a Vila Planchart. Trata-se da mansão onde viveu o casal rico e cosmopolita Armando e Anala Planchart, que, na década de 50, decidiu contratar o arquiteto italiano Gio Ponti (1891-1979) para projetar a edificação.
Em seu currículo, figuram a torre Pirelli, em Milão, o Museu de Arte de Denver, figurinos e cenários para a ópera Scala, além de cadeiras (a "superleve" foi seu cartão de visitas), móveis e uma máquina de café (a sinuosa "La Cornuta"). Paralelamente, Ponti escreveu ensaios e editou revistas.
Foi por meio da publicação que ele fundou em 1928, a "Domus", que o casal Planchart o conheceu e o contratou. A partir daí, por carta, acertaram o desenho da nova casa.
Os Planchart não tiveram filhos. A família criou uma fundação, que hoje administra o imóvel, aberto à visitação (o ingresso custa US$ 29). A mansão iluminada acolheu em seu interior o orquidário dos Planchart, com elegantes poltronas onde poderia descansar, sem demasiado esforço de imaginação, um personagem de Antonioni. O aceno reverente à Itália se estende ao design e à decoração -das lâmpadas Arredoluce às peças de cerâmica de Guido Gambone.
No piso de mármore, Ponti armou um desenho geométrico; já o teto foi adornado com motivos astrológicos. As paredes têm espaço para Morandi e Massimo Campigli mas também para o venezuelano Armando Reverón. No escritório de Armando Planchart, aperta-se um botão e, num truque de desenho animado, parte da parede se descola e gira. Surgem cabeças empalhadas (um búfalo, um veado) e troféus de caça. A guia explica: Ponti não gostava do cenário tétrico e negociou o mecanismo, num divertido e pragmático round entre a arte e o gosto do freguês.

REVOLUÇÃO DIGITALIZADA
Por falar em round, a contenda da hora no que se refere à memória do país envolve os arquivos de dois heróis da independência: Simón Bolívar (1783-1830) e seu precursor Francisco de Miranda (1750-1816). A tradicional e antichavista Academia Nacional de História, guardiã até 2010 dos documentos de Bolívar, lançou um site com seu acervo digitalizado: anhvenezuela.org. Foi mais um ato para comemorar os 200 anos da independência.
O governo Chávez criticou o projeto: considerou-o "apressado" e insinuou tratar-se de retaliação à transferência compulsória (fixada por decreto presidencial) dos papéis ao Arquivo Geral da Nação.
O certo é que, no site, é possível ver documentos e inclusive buscá-los por palavra-chave, mas não há transcrição, impedindo a leitura não especializada. O governo, que também andou se afobando no tratamento dos arquivos (lançou um banco de dados sobre Miranda com seções em branco), promete para breve um memorial on-line de Bolívar.


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