São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2010

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DIÁRIO DE BERLIM

A off-kultur em ruínas

Berlim menos sexy e mais cara

SILVIA BITTENCOURT

NÃO FORAM POUCAS AS TENTATIVAS de despejo feitas nas últimas semanas na enorme ruína que fica na esquina da Oranienburger com a Friedrichstrasse, em pleno centro de Berlim. E, mais uma vez, artistas, músicos e políticos de esquerda conseguiram, com suas manifestações barulhentas, adiar o fechamento do Tacheles (pronuncia-se "tárreles").
Causou espanto a ideia de fechar o principal centro da "off-kultur", a cultura underground berlinense, aventura que começou 20 anos atrás, com artistas alternativos ocupando um prédio abandonado, e tornou-se uma das maiores atrações turísticas da capital alemã, recebendo até 400 mil visitantes por ano.
O Tacheles também faz parte da história de Berlim. O prédio foi construído há mais de cem anos, numa área enorme do velho bairro judaico. Abrigou originalmente uma galeria de lojas, depois uma Haus der Technik ("casa da técnica", um museu de eletrodomésticos) e, durante a Segunda Guerra (1939-45), uma prisão. Foi bombardeado e virou ruína. Ainda serviu como cineclube na antiga Berlim Oriental. No início de 1990, ainda no clima de euforia e liberdade que marcou a queda do Muro, muita gente passou a ocupar prédios velhos e vazios de Berlim Oriental.
Foi quando o Tacheles foi invadido.
Em pouco tempo, a ruína passou a atrair jovens artistas do mundo todo, à procura de um local de trabalho interessante e barato. Logo virou um símbolo da cidade. No Tacheles há 30 ateliês, um salão de exposições, palco para show e teatro, café e bar. Tudo num ambiente escuro e deteriorado, "decorado" com grafites e pichações, constratando com a vizinha Friedrichstrasse e suas lojas de grife. Fato é que a instituição continua ameaçada. Conta cada vez menos com a o apoio da prefeitura (afundada em dívidas) e pode ser fechada a qualquer momento por insolvência. Provavelmente, dará lugar a mais um complexo residencial e comercial.
Mas o fim iminente do Tacheles -palavra que vem do iídiche e significa "falando claramente"- não acontece de forma isolada.
Já faz anos que bairros centrais de Berlim passam por um processo de valorização imobiliária e enobrecimento ("gentrification", na linguagem dos urbanistas), expulsando a cena cultural alternativa que havia se estabelecido ali.
Vinte anos atrás, cafés turcos e cineclubes "punks" faziam parte da paisagem multicultural de Kreuzberg (no leste de Berlim Ocidental), assim como lojas de produtos orgânicos ou de moda sustentável. Depois da queda do Muro, em novembro de 1989, vieram os investidores: os aluguéis ficaram mais caros e as lojas, mais chiques. O mesmo aconteceu em Prenzlauer Berg (no oeste de Berlim Oriental), que nos anos 90 -quando seus prédios velhos e acabados ainda mantinham as marcas da falida Alemanha Oriental- atraiu jovens artistas plásticos do mundo todo. A chegada desses "pioneiros" deu um charme especial ao bairro, que logo se encheu de cafés, bares e clubes. Mas o lugar valorizou-se tanto na última década que acabou se tornando "cool": ateliês originais foram substituídos por galerias luxuosas e os vanguardistas de então deram lugar a artistas famosos (o dinamarquês Olafur Eliasson, o cartunista alemão Flix).
Ali, vários centros alternativos estão procurando um novo endereço porque não conseguem pagar aluguel.
Para os investidores, grandes projetos imobiliários fazem parte de uma cidade em constante transformação. Já na opinião dos críticos, interesses comerciais estariam acabando com o lado autêntico e criativo da capital alemã. Berlim estaria deixando de ser "pobre, mas sexy" -como o prefeito Klaus Wowereit definiu uma vez a cidade-, para se transformar em monótona e cara.

O TAMBOR
Mais de 30 anos depois, o cineasta Volker Schlöndorff acaba de lançar em DVD uma edição mais longa de "O Tambor", baseada no romance de Günter Grass e que deu à Alemanha a Palma de Ouro em Cannes, em 1979, e o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1980. A ideia surgiu depois que um arquivo cinematográfico de Berlim quis se livrar dos 60 km de negativos de "O Tambor" e, por sorte, consultou o cineasta.
A versão do diretor traz 22 minutos a mais da história de Oskar Matzerath, menino de três anos que vive na cidade de Gdansk (atualmente, na Polônia) e decide parar de crescer. O principal desafio, diz Schlöndorff, foi recuperar o som: os negativos haviam sido arquivados sem o áudio e precisaram ser dublados pelos atores. Aos 42 anos, David Bennent, o ator que fez o papel do pequeno Oskar, penou para voltar à voz que tinha aos 12, quando "O Tambor" foi rodado.

FASHION CARMEN
A Ópera Alemã, em Berlim, está correndo atrás da renovação do público. Para isso, vem chamando celebridades para anunciar seus espetáculos em uma série de cartazes (mas não para atuar).
Foi o fotógrafo berlinense André Rival que teve a ideia de chamar estrelas da moda e da televisão para atrair um público não muito chegado a ópera, principalmente os mais jovens. Começou com a top model alemã Nadja Auermann como "Carmen". Logo será a vez do estilista e designer Wolfgang Joop aparecer nos cartazes de "Don Giovanni". Mas à sua maneira, unindo jaqueta de couro e saia plissada.

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