São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

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'Disney não pagou nada ao plagiar', diz Schiffrin

RAQUEL COZER

É SÓ NAS 15 páginas finais de "O Dinheiro e as Palavras", de um total de 152, que André Schiffrin toca a questão dos e-books -e isso para concluir que é cedo para definir seus efeitos no mercado editorial.
O pouco-caso soa descabido num momento em que o digital domina o debate sobre o livro, mas ajuda a entender o pensamento de um editor à moda antiga, que dedicou meio século ao impresso.
Um ano depois do lançamento do ensaio, o francês trabalha para suprir essa lacuna, como adianta em entrevista à Folha por telefone, de Paris. Será o assunto de "Free", que pretende lançar em 2012.

 

Folha - Em "O Dinheiro e as Palavras", o sr. deixa em aberto as conclusões sobre o impacto dos e-books. Considerando a rapidez com que esse cenário se desenvolve no mundo, já arrisca uma análise?
André Schiffrin -
Não é no mundo. É nos Estados Unidos. Na Europa, os e-books não se expandiram nem devem se expandir como nos EUA. Além disso, eles são só para best-sellers. Se você vê a lista de best-sellers do "New York Times" e vê a de e-books, são os mesmos livros. Então, você está lidando com um número limitado de títulos. Por lá, os e-books causam duas situações que a longo prazo serão desastrosas: destroem as livrarias, porque as pessoas compram pela internet, e são vendidos pelo mesmo preço que os paperbacks [reedições em formato econômico], que são a única maneira que editoras têm para manter a venda de títulos antigos. O fato é que a Amazon não cria obras. Ela vende o que os outros fazem, mas jogando os preços para baixo. Isso, é claro, não é um modelo que possa ser bem-sucedido. Se as editoras quebrarem, de onde sairão os livros?

O consumo de e-books hoje na França ainda não é expressivo?
Praticamente não se leem e-books, por vários motivos. Primeiro, ainda há muitas livrarias. Nos EUA, as grandes redes destruíram o esquema de distribuição das pequenas livrarias, e agora as redes estão sendo destruídas pela internet. Então, lá você não consegue ir a uma livraria e dizer: "Quero esse livro para amanhã", porque a distribuição já não dá conta. Isso você pode fazer em Paris, mas não em Londres, nem em Nova York. Outra questão é que a Amazon ainda não pode vender e-books para Kindle na Europa, o que impediu sua expansão por aqui. Em algum momento essa venda começará, mas não será a única opção e também ficará centrada nos best-sellers.

Muito antes de os e-books se popularizarem nos EUA, havia a venda de livros de papel pela internet...
A Amazon ajudou a matar as livrarias, não há dúvida disso, e vai continuar. Quando eu era garoto e trabalhava numa livraria em Nova York, existiam 333 lojas. Agora, há menos de 30, incluindo as redes.
Então, você vê o que acontece quando há uma empresa com um sistema de descontos agressivos como a Amazon.

Mas a venda pela internet não é uma facilidade a mais para o consumidor? No Brasil, por exemplo, você pode comprar pela Amazon livros não disponíveis nas lojas.
A situação latino-americana é diferente. Não sei como é no Brasil, mas no resto do continente o que há é uma clássica situação colonial, na qual os editores espanhóis só exportam os livros que podem ser rentáveis e esquecem os outros. Ou então aumentam tanto os preços que não faz sentido comprá-los nas livrarias.

De todo modo, não é inevitável que os e-books se popularizem?
Tenho certeza de que se tornarão comuns, mas com limites de que falo: só best-sellers. A editora francesa La Découverte fez uma experiência interessante. Pôs uma série de livros sobre questões atuais de graça na web ao mesmo tempo que vendia os impressos. Metade dos leitores baixou os livros, a outra metade comprou. Não se sabe se a oferta on-line prejudicou as vendas ou se serviu como publicidade, mas o fato é que não houve prejuízo na venda dos impressos.

No Brasil, há o caso de uma editora universitária, a Unesp, que lançou vários títulos só na internet, de graça, e viu uma procura muito maior do que teria vendido em papel.
Isso vai se tornar mais comum. Nos EUA, editoras universitárias perceberam que a venda de monografias tinha caído para uma média de 350 exemplares e passaram a disponibilizar na internet, com sucesso. A mesma coisa não funciona para autores desconhecidos de ficção, por exemplo.

O que acha dos movimentos que veem os direitos autorais como restrição à informação?
A questão sobre o que deveria ser livre e o que não deveria é toda muito interessante. Vou tratar dela no meu próximo livro. Todo livro técnico e universitário deveria estar disponível de graça para, por exemplo, estudantes de países mais pobres terem acesso. Não faz sentido pedir para um aluno da China ou da Índia pagar US$ 30 por um livro que já está pago por dinheiro de impostos recebidos por editoras universitárias.

E da questão do período de tempo em que os direitos autorais são protegidos após a morte dos autores?
Vou tratar disso também, do que nos EUA chamamos Mickey Mouse Protection Act, pois foi a Disney que fez tanto esforço para ampliar a vigência dos direitos autorais. Qualquer um sabe que isso não é bom, espero que com o tempo defina-se um prazo razoável. Não estamos protegendo os direitos do autor aqui, estamos protegendo a Disney, e Walt Disney não pagou nada ao plagiar histórias.


Os e-books podem causar situações desastrosas. A Amazon não cria obras, só vende, jogando os preços para baixo. Se as editoras quebram, de onde sairão os livros?

A questão sobre o que deveria ser livre ou não é interessante. Todo livro universitário deveria estar disponível de graça para, por exemplo, estudantes de países mais pobres


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