São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

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DIÁRIO DE TÓQUIO
O MAPA DA CULTURA

Tese explosiva

A pena de morte e a "paralisia cerebral"

ANGELO ISHI

ENTRE OS TOQUIOTAS, falar de atentados terroristas não remete necessariamente ao 11 de Setembro.
Ainda hoje, ouve-se aquele anúncio, em tom calmo, mas incisivo, nos vagões do metrô: "Se avistar algum objeto ou indivíduo suspeito, avise imediatamente um de nossos funcionários". E ninguém ousa questionar a necessidade do alerta, embora já se tenham passado 16 anos desde o ataque com gás sarin no metrô de Tóquio por membros da seita Aum Shinrikyo, em 20 de março de 1995.
A pena de morte para Asahara, líder da seita, deu a impressão de que o caso tinha chegado ao fim. Mas o livro "A3" (ed. Shueisha), de Tatsuya Mori, que acaba de ganhar o Prêmio Kodansha, reacende um ponto crucial: quem, afinal, ordenou o atentado que deixou 13 mortos e mais de 6.000 feridos.
A premiação motivou protestos porque "A3" traz um ingrediente explosivo. Questiona a premissa de que Asahara seja o principal mentor do ataque, que poderia ter sido obra dos seus discípulos. Isso põe em xeque o embasamento da pena do líder -que ainda não foi executado. O autor teme que, com o precedente, todos os suspeitos de crimes hediondos passem a sofrer condenação sumária para saciar a sede de vingança da opinião pública. "A imprensa, o judiciário, todos estão com paralisia cerebral", alerta. "Nossas liberdades democráticas estão ameaçadas."
Mori fez fama com os documentários "A" e "A2", que desnudavam os bastidores da seita Aum. Foi o único a conquistar a confiança do relações-públicas Araki, que lhe permitiu livre circulação pelo quartel-general. O "A" dos títulos é uma referência a todos esses nomes: Aum, Asahara, Araki. Mas é também, diz ele, o "A" de "agonia", "antítese" e "alternativa".

GENOCÍDIO NA FICÇÃO
Não deixa de ser irônico que o livro de ficção mais comentado no momento tenha como tema o genocídio e o terrorismo. "Genocide", de Kazuaki Takano, mistura suspense policial com ficção científica, numa trama em que aparece um vírus letal fabricado com um misterioso software, uma guerra na África e até a Defense Intelligence Agency americana.
A editora Kadokawa vende o livro como "uma obra que supera as superproduções de Hollywood". Donde se deduz que quer justamente isso: levá-lo à tela num futuro próximo, talvez pelas próprias mãos (a Kadokawa tem também uma produtora cinematográfica).

FORÇA DIGITAL
O Japão entrou de vez na era da TV digital. Ou quase. Encerraram-se em julho as transmissões da TV analógica, mas o governo abriu uma exceção: Fukushima, Miyagi e Iwate, províncias mais atingidas pela tragédia de 11 de março, receberão os sinais até 2012. Já no meio editorial, o digital tem sido implacável: a "Pia", principal guia de cultura e entretenimento do Japão, acaba de fechar. A revista, conhecida pelas capas com caricaturas e celebridades, chegou a ter mais de 600 mil cópias semanais nos anos 80, andava circulando com menos de um quarto dessa tiragem. A empresa continuará com seu portal e o serviço de venda de ingressos.
A derradeira edição saiu em agosto, com um encarte que emocionou fãs e colecionadores: a réplica da edição inaugural, de agosto de 1972. E acontece em 3 de novembro um show musical, o "Pia 39th Farewell", com artistas da velha e da nova guarda que foram capa da revista nesses 39 anos.

SPAGHETTI
O Festival Internacional de Cinema de Tokyo, entre os próximos dias 22 e 30, terá retrospectiva de Juzo Itami, conhecido por clássicos como "O Funeral" e "Tampopo - Os Brutos Também Comem Spaghetti"(recém-lançado em DVD no Brasil pela Cult Classics). Tão aguardado quanto a mostra é o "talk show" com a viúva de Itami, Nobuko Miyamoto, que estrelou quase todos os filmes dele.
Tive a sorte de trocar umas palavras com Itami em 1997, após uma sessão de "Marutai no Onna". Perguntei se ele sabia que "Tampopo" tinha virado "Os Brutos..." no Brasil, pois eu achava de mau gosto. Itami deu uma boa risada e respondeu: "Nem sabia que tinha passado no Brasil, mas não acho o título ruim, não!".
Pedi a ele que me desse uma entrevista exclusiva quando pudesse. "Daqui a algum tempo", concordou. Três meses depois, ele se suicidou.


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