São Paulo, domingo, 11 de julho de 2010

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ARQUIVO ABERTO
MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

A festa vai ser grande

Rio de Janeiro, 1970

MARTINHO DA VILA

AO VER O PRIMEIRO TEMPO do jogo do Brasil contra a Holanda, eu me lembrei da seleção de 82, com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Falcão, Toninho Cerezzo, Sócrates e Zico; Serginho e Éder. Foi eliminada, mas não dá para comparar aquele timão com o timinho deste ano.
Daquela vez, perdemos de cabeça erguida, mas neste ano saímos cabisbaixos, com vergonha da agressão criminosa de Felipe Mello, que deveria ter sido expulso para sempre. Que saudade da categoria do Djalma e do Nilton Santos! Ao ver os milionários amarelarem no segundo tempo, me lembrei do Garrincha, que morreu pobre, depois de nos dar dois campeonatos mundiais.
Para alguns, a seleção do Telê foi a melhor, mesmo sem ter sido campeã, mas para mim, a de 70 é incomparável.
Vejam: Félix, Brito, Piazza, Carlos Alberto, Clodoaldo, Marco Antônio, Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé, Rivellino, Ado, Baldocchi, Fontana, Everaldo, Joel e Paulo César Caju.
O artífice que montou o grupo foi o João Saldanha, que descumpriu ordem militar ao não chamar o Dadá Maravilha. Embora tenha sido destituído, Saldanha é considerado por muitos como o campeão. Foi ele que incutiu na equipe o espírito de luta e me convidou para participar.
Eu estava em casa e recebi um telefonema do amigo Brito, o zagueiro.
- E aí Brito, joia?
- Que nada! Concentração é chato pra chuchu.
- Em compensação, vão levantar a taça e vamos festejar.
- Pode levar fé, estou ligando porque o chefe quer falar com você.
- O Saldanha?
- O mesmo.
Aí o grande João Saldanha me convidou para ir visitar os jogadores com a minha alegria e pediu para levar a Rosinha de Valença, que ele venerava. Perguntei se podia levar o Mané do Cavaco e o Darci da Mangueira. Ele disse que sim, mas que ficássemos na encolha, para ser um encontro particular, na hora do jantar.
Chegamos de pandeiro, cavaco e violões e fizemos um pagode. Pelé tocou pandeiro para eu sambar e sambou comigo tocando para ele. O Saldanha me deu uma bola, eu pedi para ele autografar, aqueles verdadeiros artistas se prontificaram a assinar também e me pediram autógrafos.
Lembro da Copa na Argentina (78), em que fomos eliminados sem perder, para esquecer a da África do Sul, decepcionante. Perdi duplamente, torcendo para Portugal e para o Brasil. Agora não torço para ninguém. A nossa eliminação pela Holanda neste ano não teve a menor graça, mas em 74 foi legal.
Eu e o Perna (lá de Vila Isabel, que já descansou) pedimos ajuda ao Cuia, um bicheiro amigo nosso que deve estar com o Perna no céu, porque era boa gente. Planejamos fazer um carnaval na avenida 28 de Setembro com a vitória do Brasil contra a Laranja Mecânica. Montamos uma caminhonete com barris de chope e uísque. Convoquei a bateria da Vila, preparamos foguetório e, em vez de espremer a laranja, fomos espremidos por ela, como agora. Que frustração!
Como o chope já estava no gelo, e para não estragar, começamos a beber no fim do jogo perdido. Os batedores começaram a batucar e eu puxei um grito que eles ritmaram: "Um, dois, três! Quatro, cinco mil! Eu quero que a Holanda vá pro fundo do barril!"
Automaticamente foi trocada a rima. O Cuia mandou soltar os fogos e fizemos um carnaval. O trânsito interrompido, todos sambavam como em dia de vitória.
Neste ano, eu estava na cidade do Porto e, gato escaldado, festejei no intervalo do jogo com a minha "Família Musical". É bom festejar antes porque depois, perdendo, já se teve alguma alegria.
Agora uma sinceridade.
Não me abalei muito. Não se pode ficar ganhando sempre. Já levantamos o caneco em 1958 na Suécia, 62 no Chile, 70 no México, 94 nos EUA, 2002 na Coreia do Sul-Japão. Como a Itália, que tem quatro títulos, também já dançou, nenhum país vai ser pentacampeão como nós. E, em 2014, vamos ser hexa. O jogo final não se sabe se será no Maracanã ou num estádio de São Paulo, mas, de qualquer maneira, a festa vai ser grande.


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