São Paulo, domingo, 11 de julho de 2010

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IMAGINAÇÃO
PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Anais do Crime Passional

Abacaxi Noir

WALDEMAR NEVES

(DIVIDIDA EM CINCO CASOS, a peça é estruturada para um ator que interpreta o Inspetor Tavares, duas atrizes que se revezam nas outras personagens e dois músicos, sendo um deles o Narrador.)

Narrador - "Abandonada aos 40."
(Tavares está sentado com os pés sobre a mesa enquanto o público entra.)
Narrador - Segunda-feira. Era uma manhã como todas as manhãs.
Tavares - Como todas. (Começa a acariciar os pelos de seu mamilo esquerdo.)
Narrador - E, como todas as manhãs, Inspetor Tavares encontrava-se com os pés sobre a mesa de seu escritório, acariciando com prazer os pelos de seu mamilo esquerdo, quando...
(Toca o telefone. Inspetor Tavares atende.)
Voz feminina - Inspetor Tavares?
Narrador - A voz do outro lado da linha soava grave e desequilibrada.
Tavares (tapa o bocal e fala para o Narrador) - Certamente uma mulher na menopausa. (Ao telefone.) Quem gostaria de falar com ele?
Voz feminina - Stella Magalhães.
Tavares - Aqui quem fala é o próprio Inspetor Tavares. Qual o problema?
Voz feminina - Meu ex-marido está morto. Foi assassinado, e eu sei quem é a culpada. Venha para minha casa e eu contarei tudo. O endereço é rua Armando Pinto, número 171.
(Tavares levanta-se, dá dois passos e encontra Stella num foco de luz.)
Tavares (na frente dela, conversando com o público) - Stella Magalhães. Uma autêntica quarentona em crise. O sobrenome era uma herança de seu ex-marido, que ela se recusara a tirar depois do divórcio.
Stella - Foi aquela Piranha Loira quem mandou matar o Magalhães. Eu tenho certeza. Ela só casou com meu marido pelo dinheiro.
Tavares - Piranha Loira?
Stella - Sim. Depois que o Magalhães e eu nos divorciamos, ele se envolveu com essa mulher de baixíssimo nível, bem vulgar mesmo. Mas ela conseguiu seduzir o meu marido mesmo assim. Também, ela é 20 anos mais jovem! Os homens são patéticos mesmo.
Tavares - Onde mora a viúva?
Stella - Viúva? Eu sou a viúva! Ela não ficou casada com o Magalhães nem por um ano, enquanto eu...eu...
Tavares - Pode se acalmar, senhora.
Stella - Quem aqui é senhora? Tá me chamando de velha? Não estou vendo nenhuma senhora aqui. Me chame de Stella Magalhães.
(Inspetor Tavares anota algo em seu bloquinho e vira as costas, saindo.)
Tavares - Parti para a casa da Piranha Loira. (Acende-se outro foco, no qual surge a tal Piranha Loira.) Tinha no máximo 20 anos. Não havia sinais de choro em seu rosto e o sugestivo decote de seu vestido ressaltava os empinados e fartos seios, dando um ar alegre para toda a casa. (Para ela, empunhando seu distintivo.) Tavares. Inspetor Tavares.
Piranha Loira (insinuante) - Olá, em que posso servi-lo?
Narrador - A verdade é que o olhar do Inspetor, por mais investigativo que fosse, sempre pararia nos seios da Piranha Loira.
Tavares - Sinto pela morte de seu marido.
Piranha Loira - Eu também. Mas sabe, a morte pra mim não é tão triste. Todo mundo morre! E é por isso que devemos aproveitar tudo o que a vida tem para nos dar. Seguir os nossos impulsos. Você, por exemplo: está morrendo de vontade de cair de boca nos meus peitos, mas não cai. Por quê?
Tavares - Eu sou um Inspetor peludo e grosseiro mesmo. Desculpe a indiscrição.
Piranha Loira - Peludo, é? (Enfia a mão na blusa do Inspetor e acaricia os pelos de seu peito.)
Tavares (para o público) - A Piranha Loira acariciou meu mamilo como só eu mesmo achava que sabia fazer.
Piranha Loira - Adoro pelos. E acho que devemos ser livres para seguir os nossos instintos. (A Piranha Loira rasga os botões da camisa do Inspetor, joga-o sobre a mesa e lambe seus mamilos.)
Narrador - Tavares estava derretido. Sentiu que os papéis estavam invertidos, e adorou. Enquanto era lambido, não conseguia tirar os olhos da Piranha Loira.
Tavares (para o público) - Ela era uma ordinária. Mas uma ordinária tão livre, que havia pureza em seu prazer.
Piranha Loira - É isso que você quer fazer, não é? Diga se não é! Diga!
Tavares (do fundo da alma) - Sim! Sim! Sim!
(Cai a luz da cena, enquanto sobe a luz de Stella Magalhães, em sua casa, esperando aflita.)
Narrador - Uma hora depois, o Inspetor estava novamente na casa de Stella, reportando os resultados de sua investigação.
Tavares - Não há qualquer indício de culpa. A Loira é inocente.
Stella - Como assim não há indício? Indício é o que não falta. Há indícios por todo lado.
Tavares - Eu a investiguei por dentro. Sua alma diz que ela é inocente.
Stella - Alma? Aquela vagabunda nunca teve alma! (Histérica, parte pra cima de Tavares, tentando estapeá-lo.) Seu incompetente, você não passa de um Inspetor de merda! (Tavares segura sua mão e torce, imobilizando-a de costas pra ele.)
Tavares - E a senhora? Como pode ter tanta certeza, hein? Como? Como. (O Inspetor ergue a saia de Stella e a penetra por trás. A luz da cena cai, acende o foco do Narrador.)
Narrador (acendendo um cigarro, como se ele mesmo tivesse acabado de fazer sexo) - E Tavares a comeu. Possuiu Stella como um animal. A quarentona não fazia sexo desde os tempos do finado Magalhães, e o tesão guardado a fez explodir num prolongado orgasmo.
(A luz volta à cena. Stella está algemada. Inspetor Tavares está curvado, apoiado sobre a mesa, lamentando.)
Stella - Algemas, Inspetor? Não sabia que você é do tipo que gosta de jogos.
Tavares - Jogos? Não há jogo nenhum, meu bem. O jogo acabou. A senhora está presa pelo assassinato de Luís Eduardo Magalhães.
Stella - Presa? Eu? Como assim?
Tavares - Chega de cinismo! Desde o início eu farejei seu bafo de cigarro e mentiras. A única coisa sincera que vi em você hoje foi o seu orgasmo.
Stella - Você só pode estar ficando louco!
Tavares - Louca estava você. De ciúme, por ter sido trocada. Enquanto você vivia aqui, sozinha, abandonada, Magalhães foi feliz como nunca nos braços da Piranha Loira. Você foi incapaz de conviver com aquela felicidade e matou. Matou seu marido.
(Stella bufa, descontrolada, sem saber o que dizer.)
Stella (explodindo) - Eu doei minha juventude pra ele. O apoiei nos momentos mais difíceis de sua carreira. E quando ele enriqueceu, me trocou pela primeira vagabunda que apareceu. Canalha! Se eu merecia ser abandonada, ele merecia ser assassinado. E aquela Piranha Loira merecia ir pra cadeia.
Vagabunda!
Tavares (oferecendo o ombro) - Vem cá, meu bem.
Narrador - Consolar sempre foi um dos grandes talentos de Inspetor Tavares.
Tavares (para o público) - Eu nunca aguentei ver uma mulher chorando.
Narrador - Talvez por isso.
Stella - Você concorda comigo, não concorda?
Tavares - Meu coração concorda com você. Mas a Lei é cega para a paixão. Você está presa.
Stella - Presa? Mas... eu....
Tavares - Caso encerrado.


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