São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011

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CIÊNCIA

O braço direito

Em busca de um robô mais parecido com a gente

RESUMO
O atual desafio da robótica é o desenvolvimento de robôs dotados de percepção tátil e da capacidade humana de executar diferentes tarefas, como lavar, secar, dobrar e empilhar roupas. Bem mais difícil do que fazer robôs falarem ou reconhecerem a voz humana, essa habilidade é a nova fronteira científica nos EUA.

JOHN MARKOFF
tradução CLARA ALLAIN

O PIONEIRO DA ROBÓTICA Rodney Brooks volta e meia inicia seus discursos procurando algo no bolso: remexe moedas, tira uma de US$ 0,25 e a gira por entre os dedos. A tarefa quase não requer pensamento nenhum. Para os pesquisadores de inteligência artificial, no entanto, treinar um robô para realizá-la é um problema imensamente mais difícil do que a festejada vitória da IBM no game show "Jeopardy!", neste ano, com um robô chamado Watson, observa Brooks.
Apesar dos grandes avanços dos robôs no setor manufatureiro, em que as tarefas são repetitivas, eles ainda não se comparam aos humanos, capazes de pegar objetos com as mãos e movimentar-se sem esforço no mundo físico.

DESAFIOS Projetar um robô que imite as capacidades básicas do movimento e da percepção seria revolucionário, dizem pesquisadores. As aplicações iriam de cuidar de idosos até devolver aos EUA (com menos trabalhadores, no entanto) atividades manufatureiras hoje realizadas fora do país. Ainda assim, os desafios seguem enormes, bem maiores do que os que a inteligência artificial enfrenta, como falar e ouvir.
"Se você quer reproduzir algo que a biologia faz, como percepção, tato, planejamento ou segurar objetos com as mãos, esses problemas se mostram fundamentalmente difíceis", disse Gary Bradski, especialista em visão na Willow Garage, empresa de desenvolvimento de robôs no Vale do Silício.
A Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa (Darpa, na sigla em inglês), setor do Pentágono que ajudou a lançar a primeira geração de pesquisas com inteligência artificial nos anos 1960, está bancando três empreitadas concorrentes para desenvolver braços e mãos robóticos que custem um décimo do preço dos atuais, que chegam a custar US$ 100 mil (R$ 157 mil) ou mais.

BRAÇOS E MÃOS No mês passado, Obama foi até a Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, para anunciar um investimento de US$ 500 milhões (R$ 787,5 milhões) na criação de tecnologias robóticas de ponta necessárias para ajudar a trazer operações manufatureiras de volta para os EUA. Mas braços e mãos mecânicos de baixo preço controlados por computador são só o primeiro passo.
Ainda há discussões importantes sobre como começar a desenhar uma máquina flexível o suficiente para desempenhar muitas tarefas feitas por humanos: dobrar roupa recém-lavada, cozinhar ou lavar louça. Para isso, vai ser preciso um avanço nos softwares que mimetizam a percepção.
Em circunstâncias limitadas, os robôs de hoje volta e meia são capazes de desempenhar essas tarefas, mas os pesquisadores descrevem essas habilidades como "frágeis". Os robôs falham se qualquer modificação, por menor que seja, for introduzida. Além disso, precisam ser laboriosamente reprogramados para fazer outra coisa.
Muitos pesquisadores de robótica têm adotado uma abordagem de baixo para cima, esperando que, ao treinar robôs para realizar uma tarefa por vez, consigam montar uma biblioteca de tarefas que, com o tempo, permita que os robôs comecem a mimetizar os humanos. Outros são céticos, dizendo que as máquinas verdadeiramente úteis só virão se houver um grande avanço na inteligência artificial, algo que resulte em uma percepção bem mais flexível.

TOALHAS As limitações dos robôs de hoje, por mais sofisticados que sejam, podem ser vistas em uma demonstração de robôs dobrando toalhas, postada na internet em 2010 por estudantes da Universidade da Califórnia em Berkeley: de maneira inusitada e antropomórfica, um robô dobra toalhas com habilidade, olhando os cantos, alisando os vincos e empilhando as toalhas dobradas.
A parca extensão das habilidades do robô só se torna clara quando o espectador é informado de que o vídeo foi exibido em velocidade 50 vezes superior à normal. (Nesta primavera americana, os estudantes admitiram que só agora estão começando a enfrentar os desafios adicionais de fazer um robô dobrar camisas e meias.)
Nem mesmo o mais caro e ambicioso braço robótico já criado rendeu resultados impressionantes.
Em fevereiro, por exemplo, o Robonaut 2, robô ultradestro desenvolvido em parceria por Nasa e General Motors, foi levado a bordo de uma missão do ônibus espacial para ser instalado na Estação Espacial Internacional. Seus criadores reconheceram que o software necessário para o sistema, um robô humanoide do torso para cima, ainda não estava pronto, e que o robô só entrou naquela viagem por causa da rara oportunidade de embarcá-lo no ônibus espacial.

O OVO E A GALINHA "Estamos em uma situação engraçada, que lembra a do ovo e da galinha", disse Brooks. "Ninguém sabe ao certo quais sensores ou algoritmos perceptivos usar, pois ainda não temos uma mão operacional e, pelo fato de ainda não termos uma estratégia para segurar coisas com a mão, ninguém consegue visualizar que tipo de mão deve projetar."
Brooks também está debruçado sobre o problema: em 2008, ele fundou a Heartland Robotics, empresa com sede em Boston que pretende desenvolver uma geração de robôs de baixo custo. E os três esforços concorrentes para desenvolver braços e mãos robóticos com financiamento da Darpa -na SRI International, na Sandia National Laboratories e na iRobot- oferecem bases para algum otimismo.
Recentemente, num laboratório da SRI em Menlo Park, dois alunos de pós-graduação da Universidade Stanford, John Ulmen e Dan Aukes, deram os toques finais a um passo importante rumos às capacidades humanas: uma mão com quatro dedos que vai conseguir agarrar coisas com a precisão tátil de um humano.
Cada dedo tem três articulações e é manufaturado de uma vez por uma impressora tridimensional, sendo então recoberto de "pele" derivada do mesmo material usado para fabricar telas de "smartphones", sensíveis ao toque.
"Em parte, estamos nos valendo do fortíssimo avanço das telas táteis com os 'smartphones'", disse Pablo Garcia, designer de robôs da SRI no comando do projeto, ao lado do pesquisador de inteligência artificial Robert Bolles. "Tiramos proveito dessas tecnologias e apostamos que vão continuar a evoluir e a baratear."

PERCEPÇÃO Ainda falta uma geração de softwares potentes e flexíveis o bastante para desempenhar tarefas que os humanos fazem sem esforço. Isso vai exigir um grande avanço na percepção das máquinas. "Eu diria que isso é mais difícil do que o que a máquina Watson precisou fazer", comentou Gill Pratt, cientista da computação que é o gerente de programas encarregado do projeto de Manipulação Robótica Autônoma (ARM, na sigla em inglês) da Darpa.
"O mundo é composto por objetos contínuos, dotados de formas variadas" que podem ofuscar umas às outras, disse Pratt. "Um sistema de percepção precisa ser capaz de perceber isso; para tanto, requer o bom senso de uma criança."
Na Willow Garage, Bradski e uma turma de pesquisadores de inteligência artificial e especialistas em robótica vêm se concentrando no que chamam de "hackathons", nas quais o robô PR2, da empresa, foi programado para realizar tarefas como pegar cerveja na geladeira, jogar bilhar e embalar alimentos.

SUPERMERCADOS Em maio, com o apoio do Escritório da Casa Branca para a Política de Ciência e Tecnologia, Bradski ajudou a organizar o primeiro Desafio de Soluções na Percepção. Um prêmio de US$ 10 mil (R$ 15,7 mil) é oferecido à primeira equipe que projete um robô capaz de reconhecer cem itens encontráveis nas prateleiras de supermercados. Parte do prêmio será dada à primeira equipe cujo robô for capaz de reconhecer 80% dos produtos.
No concurso, realizado durante uma conferência sobre robótica em Xangai, nenhum dos participantes alcançou a meta de 80%. A equipe que se saiu melhor foi a do robô de Berkeley que dobrava roupa. O grupo deu a seu robô o nome Brett, iniciais de "Robô de Berkeley para a Eliminação de Tarefas Tediosas".
Brett foi capaz de reconhecer 68% de um grupo de 50 objetos. A equipe vem progredindo em sua busca por um robô que lave roupa; recentemente, postou um vídeo novo que mostra quanto o trabalho do robô foi acelerado.
"Nossa meta, neste momento, é dar conta do ciclo inteiro de cuidados com a roupa", disse Pieter Abbeel, cientista da computação em Berkeley que comanda o grupo, "do cesto de roupa suja à pilha de roupas lavadas, secas, dobradas e em ordem."

Projetar um robô que imite as capacidades básicas do movimento e da percepção seria revolucionário, dizem pesquisadores

Os robôs falham se qualquer modificação for introduzida e têm de ser laboriosamente reprogramados para fazer outra coisa

Ainda falta uma geração de softwares potentes e flexíveis o bastante para desempenhar tarefas que os humanos fazem sem esforço


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