NÃO É UM FILME fácil de ver: são cinco capítulos de duas horas e meia cada. Mas esse tempo é fundamental em "Mafrouza", imersão em uma favela de Alexandria. A diretora Emmanuelle Demoris precisou de um bom tempo para conquistar a confiança dos moradores, captar com a câmera a complexidade da vida íntima e social deles e, ao final, transmitir as temporalidades particulares de uma existência à margem da sociedade.
Com intervenções mínimas, ela consegue mostrar muito: a precariedade do hábitat, os inúmeros problemas materiais, a solidariedade, a astúcia da sobrevivência, os sonhos dos desvalidos, o humor, a capacidade de resistência, a cultura, a tristeza, a energia de vida, o concreto e o mito, a realidade e a fantasia, os casamentos e nascimentos, a religião.
No final, surge um afresco modesto, uma ode à engenhosidade humana mesmo sob as condições mais difíceis, que lança luz sobre o que atormentava as sociedades árabes antes das revoluções.

DSK, O PÂNDEGO
O caso Dominique Strauss-Kahn perdeu força na mídia. O tempo longo da justiça tomou o lugar da urgência midiática. Mas DSK continua a se fazer presente por obra de humoristas. Stéphane Guillon, chegou a ser demitido da rádio France Inter por ter ousado brincar com a sexualidade do ex-número 1 do FMI. Hoje, os humoristas podem ficar à vontade -DSK não está mais em condições de protestar.
O programa satírico "Les Guignols de l'Info", do Canal +, lançou uma espécie de novela em que DSK e a mulher são vistos em sua residência nova-iorquina. De roupão de leopardo e charuto, ele surge como um chefão mafioso.
Outro humorista ironizou DSK num programa de TV de grande audiência, com falas da seguinte natureza: "Boa notícia: vou ficar em prisão domiciliar em Manhattan. Má notícia: com a minha mulher". Já os artistas têm falado pouco sobre o assunto, excetuando-se alguns escritores. Um deles, Marc Weitzmann, escreveu que o caso DSK complicava o seu trabalho porque era mais impressionante do que a ficção.

COMENDO COM OS OLHOS
Depois de tratar do Ministério das Relações Exteriores, Christophe Blain, astro em ascensão das HQs, debruça-se sobre outra instituição francesa: a gastronomia. Em seu novo livro, "Na Cozinha com Alain Passard", ele mostra por meio de desenhos os bastidores do restaurante L' Arpège, um dos mais célebres de Paris.
A originalidade de Passard é criar uma culinária sofisticada à base de legumes, frutas e folhas, sintonizada com nossa época ecológico-dietética. Blain acompanhou Passard em sua cozinha, mas também no campo, nas hortas. Ele não deixa de falar sobre os pratos, lembrando, com seu traço vivo, que a gastronomia é uma arte fugaz, poética, que conta uma história, uma região, uma cultura -e que alimenta tanto o espírito como o ventre. Como faz esse livro.

AVIGNON CONTROVERSO
Há alguns anos, polêmicas agitaram o festival de Avignon, o mais importante das artes cênicas europeias, em cartaz até 26/7. Uma delas dá conta de que há "dança demais, teatro de menos". Acontece que Jean Vilar (1912-71) concebeu o evento com espírito multidisciplinar. Neste ano, os coreógrafos vêm em número considerável. Anne Teresa De Keersmaeker e William Forsythe estão escalados.
Quanto ao teatro, não são poucos os astros anunciados. Patrice Chéreau encena Jon Fosse, Jeanne Moreau e o cantor Etienne Daho montam Genet, enquanto o libanês-quebequense Wajdi Mouawad adapta Sófocles com um elenco em que se destaca Bertrand Cantat (o vocalista da banda pop Noir Désir que caiu em desgraça após assassinar a mulher, a atriz Marie Trintignant, em 2004).
A presença de Cantat já provocou o cancelamento da vinda de Jean-Louis Trintignant para outro espetáculo. As pessoas estarão atentas também a "Jan Karski (Meu Nome)", dedicado ao integrante polonês da Resistência que tentou avisar os aliados sobre o extermínio de judeus. A base é um romance de Yannick Haenel violentamente contestado por Claude Lanzmann, diretor de "Shoah".
O site do festival (festival-avignon.com) traz imagens e informações sobre os destaques da programação, além de um "blog desenhado" de Francis Olislaeger.


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