São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011 |
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IMAGINAÇÃO PROSA, POESIA E TRADUÇÃO
Da dívida que temos para com os cães
Não é uma questão de amizade -nada que diga respeito à suposta
aliança entre eles e os homens. Talvez se trate apenas de mais um
capricho da natureza. O fato é que, se não fosse a obstinação desses
animais, senão fosse o hábito tolo com o qual atravessaram os séculos
e espalharam sua fama, o de, abanando o rabo, vasculhar e cheirar por
aí, aparentemente sem propósito, os assoalhos e os cantos, as
ruas, as calçadas, os portões, os becos, os lotes e os tocos de pau,
as frestas, as grades e os ladrilhos, os postes e os bueiros, os entulhos
e as poças, e ainda, com a mesma displicência com que lambem o
sapato de um desconhecido ou cochilam à sombra, a margem fatal
das rodovias; se não fosse o espírito tenaz desses bichos, que farejam
como se espera de sua raça o piso em que as pessoas cospem
e, dessa maneira, vão construindo lentamente em sua débil lembrança,
saturada de cheiros e vultos, o mapa das superfícies rasteiras,
se não fosse, pois, a memória dos cães, o mundo -não havendo mais
quem o imaginasse ao rés-do-chão- simplesmente desmoronaria. |
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