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ENSAIO
Sobre a entrevista
Ou as boas intenções de um ciclone
The Mark Twain Papers & Project
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Detalhe do fac-símile da primeira página do manuscrito original de Mark Twain do ensaio "Concerning the 'Interview'" (Sobre a 'Entrevista'), escrito em 1899-90
RESUMO
Entre os muitos textos que o escritor Mark Twain (1835-1910) deixou
inéditos, figura uma autobiografia que será lançada nos EUA, em novembro, e este
pequeno ensaio de 1889-90, divulgado pela primeira vez na semana passada, pela
Universidade da Califórnia, sobre um gênero nascente e já polêmico: a entrevista
de jornal.
MARK TWAIN
tradução CLÁUDIO A. MARCONDES
NINGUÉM GOSTA DE SER ENTREVISTADO, mas ninguém gosta de dizer não, pois os
entrevistadores são corteses e gentis, mesmo quando têm o propósito de destruir.
Não me entendam mal: não estou dizendo que sempre chegam com a intenção
deliberada de destruir, ou que só depois percebam ter destruído; não, acho que a
atitude deles tem mais a ver com a de um ciclone, que chega com o propósito
ameno de refrescar um vilarejo sufocante e depois não se dá conta de que fez
tudo ao vilarejo, menos um favor.
O entrevistador espalha você para todos os lados, mas não passa pela cabeça dele
que você possa considerar isso uma desvantagem. Quem culpa um ciclone só faz
isso por não atinar que massas compactas não são exatamente a ideia que um
ciclone faz da simetria. Aqueles que se queixam de um entrevistador fazem isso
por não ponderar que, afinal de contas, ele não passa de um ciclone, ainda que
disfarçado de Deus, como o restante de nós; ele não tem consciência da
devastação, nem mesmo quando varre o continente com os nossos despojos e
acredita que está tornando nossa vida mais agradável; e que, portanto, espera
ser julgado por suas intenções, e não por suas realizações.
TEMOR entrevista não foi uma invenção feliz. Talvez seja a maneira mais
precária de alcançar o âmago de um homem. Em primeiro lugar, o entrevistador não
tem nada de estimulante, pois inspira temor. Você sabe pela experiência que não
tem escolha diante do desastre. Não importa o que ele ponha na entrevista, você
logo vê que teria sido melhor se tivesse posto outra coisa: não que aquilo fosse
melhor do que isto, apenas não seria isto; e toda mudança deve ser, e seria,
para melhor, ainda que, na realidade, você saiba muito bem que não é assim.
Talvez eu não tenha me expressado direito: nesse caso, então eu me expressei
direito -algo que eu só conseguiria me expressando com pouca clareza, pois o que
quero demonstrar é o que você sente nessa situação, e não o que pensa -pois você
não pensa; não se trata de uma operação intelectual; você apenas anda em
círculos, acéfalo.
Obtusamente, tudo o que você quer é não ter feito aquilo, mesmo que, na
realidade, não saiba o que gostaria de ter deixado de fazer e, mais ainda, você
não se importe: esse não é o ponto; você só queria não ter feito aquilo, seja lá
o que for; uma vez feito, é uma questão sem importância e não vem mais ao caso.
Dá para entender o que quero dizer? Você já passou por isso? Pois bem, é assim
que alguém se sente ao ver sua entrevista publicada.
CONCHA Pois é, você teme o entrevistador e isso não é estimulante. Você se fecha
na sua concha; monta a guarda; tenta parecer inócuo; procura ser engenhoso e,
sem nada dizer, faz rodeios e contorna o assunto; quando lê o resultado
impresso, fica enojado ao notar como você se saiu bem.
O tempo todo, diante de cada nova pergunta, você está alerta para enxergar aonde
o entrevistador está lhe conduzindo, a fim de frustrá-lo. Sobretudo quando o
pega buscando sub-repticiamente levá-lo a dizer uma coisa engraçada. E é isso
mesmo o que ele tenta fazer.
Ele demonstra isso de modo tão óbvio, empenha-se com tal franqueza e atrevimento
que, já na primeira investida, o reservatório se fecha, e, na seguinte, se torna
perfeitamente estanque. Não creio que, desde a invenção dessa prática sinistra,
algo verdadeiramente bem-humorado tenha sido dito a um entrevistador.
No entanto, como ele precisa de algo "característico", só lhe resta contribuir,
ele mesmo, com o humor, introduzindo-o aqui e ali durante a transcrição da
entrevista. Esse humor é sempre esdrúxulo, muitas vezes palavroso e, em geral,
formulado em "dialeto" -mesmo assim, um dialeto inexistente e inviável. Tal
método já acabou com mais de um humorista. Mas não há aí nenhum mérito do
entrevistador, afinal esta jamais foi a intenção dele.
EQUÍVOCO São inúmeras as razões pelas quais a entrevista é um equívoco. Uma
delas é que o entrevistador nunca parece refletir que, após ter aberto essa,
aquela e mais outra torneira com sua profusão de perguntas, e ter descoberto
qual delas jorra com mais abundância e interesse, o mais sensato seria
restringir-se a ela e aproveitá-la ao máximo, deixando de lado as vacuidades já
recolhidas.
Ele não pensa assim. Inevitavelmente interrompe a torrente, indagando sobre
ainda outro assunto; e assim, de uma vez, desaparece, e para sempre, a sua única
e débil oportunidade de conseguir algo que valha a pena levar para casa. Teria
sido muito melhor ater-se ao assunto que despertou a loquacidade do
entrevistado, mas é impossível convencê-lo disso.
Ele não consegue distinguir o momento em que você entrega o metal daquele em que
o soterra com escória, entre o ouro e a borra; para ele, tudo se equivale, e ele
inclui tudo o que você diz; depois, ao ver-se diante de tanta coisa imatura e
imprestável, tenta remediar a situação incluindo algo de sua lavra que lhe
pareça maduro, quando, na verdade, está podre. Sem dúvida, a intenção é boa, mas
a do ciclone também.
Ora, as interrupções, o jeito de desviar você de um assunto para o outro, por
fim têm um efeito muito grave: você está presente em cada tema, mas apenas em
parte. Em geral, do que você pensa só consegue expor o suficiente para
prejudicá-lo; jamais alcança aquele ponto em que pretendia explicar e justificar
a sua posição.
"Concerning the 'Interview'", de Mark Twain. Copyright (c) 2001 da Mark Twain
Foundation. Todos os direitos reservados. Reprodução cedida pela University of
California Press.
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