São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2010

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ELEIÇÕES

Campanha em xeque

Modelos matemáticos x pesquisas

RESUMO
Modelos matemáticos americanos põem em xeque a eficácia das campanhas eleitorais. Baseados em dados econômicos e sociais, seriam mais precisos para determinar os vencedores de eleições do que as pesquisas, mas dependem de séries históricas ainda inexistentes na democracia brasileira.

HÉLIO SCHWARTSMAN
UIRÁ MACHADO

DESDE O COMEÇO de setembro, Dilma Rousseff tem sofrido intenso bombardeio da campanha de José Serra. Segundo o Datafolha, no entanto, os ataques tucanos não produziram arranhões no desempenho eleitoral na petista.
Ponto para a corrente de cientistas políticos que defende a tese de que as campanhas têm peso nulo ou muito baixo no resultado de uma corrida eleitoral. Para esses pesquisadores, com base em indicadores é possível elaborar modelos matemáticos e saber, com meses de antecipação, quem vencerá uma eleição. Independentemente das campanhas e das pesquisas de intenção de voto -que, de todo modo, não pretendem "prever" resultados, apenas mostrar uma fotografia do momento.
PÃO E PAZ Um desses modelos, chamado "pão e paz", desenvolvido por Douglas Hibbs a partir dos anos 90, se vale de apenas dois dados referentes à última administração: o aumento da renda per capita e o índice de baixas militares em conflitos internacionais não provocados pelos EUA (como na Coreia, no Vietnã e no Iraque).
As variáveis são colocadas numa fórmula que permite calcular a porcentagem de votos para o partido no poder. Aplicado nos 14 pleitos americanos de 1952 a 2004, o "pão e paz" errou em apenas um, o de 1996 (Clinton versus Dole). Em 2000, previu a vitória de Al Gore contra George W. Bush -embora não tenha se tornado o presidente, Gore obteve a maioria da votação popular.
Em sete ocasiões, a diferença entre o prognóstico e as urnas foi inferior a um ponto percentual. No pior desempenho, o de 1996, o erro foi de 4,8%. Pesquisas de intenção de voto, como as do Datafolha, costumam ter margem de erro de dois pontos percentuais.

TERREMOTOS Um modelo mais simples, que aponta o vencedor, mas não fornece números, foi criado em 1981 pelo geofísico russo Volodia Keilis-Borok e pelo historiador americano Allan Lichtman, que partiram de técnicas usadas para tentar prever terremotos.
Chegaram a um questionário de 13 perguntas que tratam de crescimento econômico, política interna e externa, tensões sociais e escândalos na administração -ignorando pesquisas eleitorais, propaganda, marqueteiros e debates. Se a resposta a cinco ou menos delas for "falso", vence o partido da situação.
A fórmula foi aplicada com sucesso a todas as eleições presidenciais de 1860 (quando Abraham Lincoln se elegeu) a 2008 (Obama), exceto a de 1912 (vencedor: Woodrow Wilson).

ESPORTE NACIONAL A criação de modelos de previsão é quase um esporte nacional nos EUA. Aspectos econômicos e sociais são as principais variáveis utilizadas, mas há sistemas baseados em outros indicadores, como a biografia dos candidatos ou a imagem deles na cabeça do eleitor.
Há ainda modelos que funcionam como "metapesquisas", isto é, análises que fundem diversas pesquisas de intenção de voto.
Um dos modelos em alta nos EUA é elaborado por Nate Silver no site fivethirtyeight.com, recém-incorporado pelo portal do "New York Times". Silver agrupa pesquisas de intenção de voto e pondera resultados segundo a precisão de cada uma, o padrão das votações e os dados demográficos. Em 2008, Silver acertou na mosca o resultado da disputa presidencial em 49 dos 50 Estados: errou 2% de suas previsões. Mas saiu-se ainda melhor na corrida para o Senado: 100% de acerto.
O site pollyvote.forecastingprinciples.com dá um bom panorama dos diferentes modelos. Até o fechamento desta edição, os responsáveis pela página previam uma apertada vitória de Obama em 2012.
Os altos índices de acerto indicam que esses modelos funcionam, mas isso não impede um paradoxo, proposto por Andrew Gelman e Gary King num artigo de 1993: "Por que as pesquisas de intenção de voto variam tanto nas eleições presidenciais americanas, se os votos são tão previsíveis?".
Os pesquisadores esboçam uma resposta: durante a campanha, os eleitores se informam sobre a disputa e tomam uma decisão. É esse processo que desencadeia as "gangorras" registradas nas pesquisas, mas o resultado final quase sempre confirma o prognóstico dos modelos de previsão.
Então, por que tanto destaque para o sobe e desce das pesquisas? Uma discussão recente no "The Monkey Cage" (excelente blog de ciência política) dá duas razões. Primeiro, consultores políticos usam esses resultados para analisar "frentes de ataque" e elaborar estratégias para as campanhas -que, na visão deles, obviamente, têm impacto no resultado final. Segundo, jornalistas precisam noticiar fatos novos.

ATALHO Cesar Zucco, professor visitante na Universidade de Princeton (EUA), explica que os modelos, embora funcionem, não devem ser pensados como explicações causais para a eleição, mas como um mero atalho para antecipar os resultados.
É por isso que, para ele e muitos outros cientistas políticos, o marketing das campanhas tem influência marginal. Podem fazer diferença em eleições muito disputadas, mas não costumam alterar a disputa.
E por que não há nada parecido no Brasil? Segundo Zucco, porque a nossa história democrática é curta. Com poucas eleições presidenciais para testar hipóteses, é difícil saber quais variáveis funcionariam no caso brasileiro. Nos EUA, vota-se mais ou menos da mesma forma desde 1789, quando George Washington, caso único, elegeu-se com 100% dos votos.
No entanto, cientistas políticos brasileiros tendem a afirmar que a popularidade do presidente é um indicador a ser levado em conta em qualquer tentativa de modelo preditivo. O governante bem avaliado consegue a reeleição ou faz seu sucessor; do contrário, aumentam as chances da oposição.

ECONOMIA Há, porém, pelo menos um caso que mostra como a economia pode ser o fator preponderante no Brasil. Em 1994, a seis meses da eleição, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) estava 16 pontos atrás de Lula. Em setembro, às vésperas da votação, o Plano Real era aprovado por 80% da população.
Como se sabe, o tucano foi eleito no primeiro turno com 55% dos votos válidos, e é difícil não atrelar seu sucesso ao do plano que garantiu a estabilidade econômica do país.
Tudo indica que as eleições deste ano confirmarão a hipótese. A seis meses da eleição, Dilma Rousseff estava 9 pontos atrás de José Serra; hoje, o Datafolha registra 51% para a petista contra 27% para o tucano. Segundo todas as pesquisas, pode ser eleita no primeiro turno. A aprovação de Lula é de 78%. Como alguns analistas têm afirmado, Lula é o Plano Real de Dilma.

BEM-ESTAR Fernando Limongi, professor titular na USP, afirma que o "feel good factor" (sensação de bem-estar) é, neste ano, a variável mais importante na disputa presidencial. Com o vento da economia soprando a favor e a percepção dos efeitos do crescimento pelo povo, diz Limongi, a campanha não importa quase nada.
Dessa perspectiva, as oscilações nas pesquisas de intenção de voto registram apenas o processo de adesão dos eleitores à candidatura que, a seu ver, manterá as condições favoráveis. Não se trata de um processo de "convencimento" feito pelas campanhas.
Não é o que pensa o sociólogo Antonio Lavareda, que já esteve dos dois lados do balcão. Com 76 campanhas eleitorais em seu currículo (já trabalhou com FHC, Cesar Maia, Serra e Ciro Gomes, entre outros), seria um contrassenso se afirmasse que elas não funcionam. Mas o autor do celebrado "A Democracia nas Urnas" (Revan, 1999) e "Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais" (Objetiva, 2009) tampouco galvaniza o papel do marketing.
Lavareda afirma que as circunstâncias da disputa eleitoral já dão boas pistas sobre o resultado -dizer isso, no entanto, não é o mesmo que negar a relevância das campanhas. "Nas eleições de Fernando Collor, em 1989, ou de Barack Obama, em 2008, o brilhantismo das campanhas explica parte importante dos resultados", afirma, "embora seja difícil precisar o tamanho exato desse fator."

SUPERVALORIZAÇÃO Para ele, as teorias que negam a importância das campanhas supervalorizam as dimensões econômico-sociais e políticas, além de esbarrar em duas questões fundamentais.
Primeiro, diz ele, em disputas acirradas, as campanhas podem fazer toda a diferença. Em segundo lugar, nada garante que as condições objetivas (como a economia aquecida) terão efeito na decisão do eleitor (fruto de avaliação subjetiva). A campanha teria justamente o condão de fazer essa ponte. "Não dá para imaginar que o Bolsa Família pudesse prescindir da propaganda oficial", diz Lavareda, "nem que, durante a campanha, pudesse ser dispensado".


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