São Paulo, domingo, 24 de julho de 2011

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DIÁRIO DE BUENOS AIRES

A Flip hermana

Todos repetirão que a cultura está em festa

DAMIÁN TABAROVSKY
tradução CLARA ALLAIN

FALTA MUITO para setembro? Setembro é o mês da primavera, em que os parques florescem, os passarinhos cantam... É tempo de Filba (Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires), empreendimento privado, com pouca tradição entre nós -esta será apenas sua terceira edição-, que ainda não encontrou sua identidade, por sorte, eu diria.
Porque, convenhamos, o que são estes festivais literários globais imensos, como o britânico Hay Festival? Uma forma discreta de animação de festinhas infantis? Um curso acelerado para ensinar as pessoas a fazerem papel de bobas? Não sabemos.
O que sabemos, sim, é que, em setembro, J.M. Coetzee, o Nobel famoso... bem, famoso por ser Nobel, virá ao Filba. E haverá também uma seção dedicada à boa literatura brasileira, com autores como João Gilberto Noll, Santiago Nazarian e Joca Reiners Terron. Certamente haverá muito público, e os jornais dirão que a cultura está em festa. É o que sempre dizem.

LITERATURA K Segundo informa o "Ñ", o suplemento cultural do "Clarín", os cinco ensaios mais vendidos nas últimas semanas são: "La Audacia y el Cálculo", de Beatriz Sarlo; "El Flaco", de José P. Feinmann; "Él y Ella", de Luis Majul; "Zonceras Argentinas y Otras Yerbas", de Aníbal Fernández; e "Economía 3D", de Martín Lousteau.
Os três primeiros são sobre Cristina e Néstor Kirchner (dois contra, um a favor); o quarto foi escrito pelo atual chefe de gabinete de Cristina; o último é de um ex-ministro da Economia da presidente. Como se faz com os santos, as grandes editoras deveriam acender uma vela para os governos Kirchner! De que viveriam se não fosse por eles?
Vale lembrar que as eleições presidenciais serão em outubro -tudo indica que Cristina ganhará-, de modo que, até lá, nós, leitores, amargaremos a ignomínia do filão "K" (apenas o livro de Sarlo se salva), que com certeza vai se alastrar para as posições seis, sete, oito, nove e dez do ranking.
Num gesto entre o delicado e o preguiçoso, o "Ñ" se limita aos cinco primeiros. Estamos gratos a ele.

ESPANHOL IMPORTADO "Hubo un tiempo que fue hermoso" (houve um tempo que foi belo), canta Charly García em uma das canções mais famosas do rock argentino. O mito do tempo passado, sempre melhor do que o presente, abrange também a cultura, em particular a história da tradução nas bandas portenhas. Ou seja, os anos 1940, 1950 e 1960, quando Buenos Aires era a capital das traduções para a língua espanhola. Nos anos 1970, tudo se inverteu: na Argentina, a ditadura, entre muitas outras coisas, matou o mercado editorial, enquanto na Espanha o fim do franquismo e a bonança econômica converteram o país no centro das traduções para o castelhano.
Hoje, a maior parte dos direitos de tradução ao espanhol é negociada em Barcelona (que fala catalão!). O resultado é que os livros chegam à periferia no espantoso espanhol da metrópole.
Mas Buenos Aires continua a traduzir (entre outros, muitos autores brasileiros), mesmo que seja nas margens. Não faz muito tempo, foi fundado o Clube de Tradutores Literários de Buenos Aires, que organiza reuniões, mesas-redondas e ciclos de debates sobre questões teóricas e práticas ligadas à tradução. É o que de melhorzinho acontece na cidade.

GPS NA BLOGOSFERA Algumas semanas atrás, o "New York Times" informou que, pela primeira vez, há mais blogs sendo fechados do que criados. A moda do blog teria acabado?
Difícil saber, mas é bem simples citar quais são os blogs portenhos mais interessantes. Um é o Tomas Hotel (tomashotel.com.ar), a cargo do jornalista Maximiliano Tomas: bússola da atividade cultural -em especial , livros e jornalismo cultural- escrita em prosa sóbria, mas não destituída de ironia sutil.
Outro é o Cippodromo (cippodromo.blogspot.com), do ensaísta Rafael Cippolini. Ali, a escrita (e as imagens que a ilustram) é exuberante, barroca e erudita. Uma reflexão sobre o estado da cultura, com viés futurista. Eu os leio sempre: roubo ideias deles, mas, é claro, jamais admito.


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