São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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DIÁRIO DE PARIS
O MAPA DA CULTURA

Três diretores ultracinéfilos
Os franceses digerem o cinema americano

SERGE KAGANSKI

O CINEASTA FRANCÊS DO MOMENTO é Mathieu Amalric. Conhecido como um dos melhores atores de sua geração (de Arnaud Desplechin a "Munique" de Spielberg, dos irmãos Larrieu a "007 - Quantum of Solace"), Amalric também havia dirigido alguns filmes interessantes, mas de audiência confidencial.
Com "Tournée", ele tirou a sorte grande como cineasta : prêmio de melhor direção em Cannes, o filme acaba de sair na França e faz um belo sucesso. Cravejado de influências (de Renoir a Cassavetes, de Godard a Desplechin), misturando atrizes americanas e território francês, "Tournée" é uma bonita homenagem ao artesanato do espetáculo e aos produtrores independentes. E sempre é uma boa notícia quando um filme de autor encontra o sucesso de público.
Outro filme francês, que estreou em 14 de julho (feriado nacional), se sai bem ao incorporar referências americanas : "L'Autre Monde", de Gilles Marchand, com Grégoire Leprince-Ringuet e Louise Bourgoin, destaques da nova geração de atores.
Misturando um naturalismo tipicamente francês com a elegante abstração de um universo virtual, Marchand nos faz mergulhar com seu jovem herói nas seduções dos jogos on-line, nos mistérios talvez perigosos das redes sociais da internet. A aposta rara e vitoriosa de Gilles Marchand é um filme francês que evoca, sem copiar, Tourneur, Kubrick, Cronenberg ou Lynch.
Ainda em cartaz, "Carlos", de Olivier Assayas, é dedicado ao famoso terrorista dos anos 70 e 80: um filmaço de ação que evoca a história recente e suscita uma reflexão sobre os ideais revolucionários e os limites da luta armada. "Carlos" é uma obra densa, rica, complexa, esplêndida, que se dirige tanto às entranhas como ao coração do espectador.
Mathieu Amalric, Gilles Marchand e Olivier Assayas : três diretores ultracinéfilos, de uma geração de meia-idade (têm entre 40 e 50 anos), que souberam digerir suas influências para assinar esses filmes ao mesmo tempo personalíssimos e acessíveis, modelos de diversão inteligente.

REPENSANDO O PORNÔ
Filme coletivo, feito com telefones celulares por suecas, "Dirty Diaries" acredita "repensar a pornografia", nas palavras de Mia Engberg, diretora e produtora do projeto. Esse desejo é parcialmente bem-sucedido, no sentido em que os 12 curtas-metragens apresentados mudam os nossos códigos habituais do cinema pornô, onde em geral vemos homens musculosos dominantes e mulheres depiladas, siliconadas e submissas.
Aqui se esboçam relações entre parceiros de todos os sexos, e sobretudo uma tentativa de bom acabamento plástico, como no curta "Skin", em que um homem e uma mulher fazem sexo vestidos com conjuntos colantes da cor da pele.
Apesar do interesse da ideia, o resultado, no conjunto, é decepcionante, tanto do ponto de vista cinematográfico quanto sexual. Mesmo quando é "repensada", parece que a pornografia cinematográfica sempre é mais excitante pelas promessas que gera do que por sua concretização.

DIPLOMACIA EM QUADRINHOS
A história em quadrinhos francesa continua viva e vive novo impulso com o gênero "graphic novel" (romance gráfico), que aproxima os quadrinhos da literatura. Entre os lançamentos dignos de nota, "Quai d'Orsay", volume 1 - "Chroniques Diplomatiques", de Christophe Blain (ed. Dargaud). Como o livro deixa adivinhar, esse álbum descreve os bastidores do ministério das relações exteriores (que fica às margens do Sena, no prestigioso Quai d'Orsay, pertinho da torre Eiffel) e da diplomacia francesa.
O herói, responsável pela "linguagem", foi inspirado num personagem real, Abel Lanzac, ex-conselheiro do ministro e coautor do roteiro. Ou seja, esta visão carinhosa, humorística e satírica das altas esferas da política está ancorada na mais prosaica realidade.
O desenho, de um realismo ligeiramente estilizado, reforça esse sentimento quase documental. Um álbum que permite que o leitor se informe enquanto se diverte, ou o contrário.


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