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DIÁRIO DE BERLIM
O MAPA DA CULTURA
A cultura da crise
Os intelectuais e a coesão europeia
SILVIA BITTENCOURT
Oito de maio de 2010. O que deveria ser destaque dos noticiários -o aniversário
do fim da Segunda Guerra Mundial- virou assunto secundário.
A União Europeia (UE) acabava de fechar o maior pacote econômico de sua
história, numa tentativa de salvar os países debilitados e o euro, a moeda comum
de 16 nações. Sessenta e cinco anos depois da guerra, o continente viu-se
envolvido no maior conflito desde sua criação, a guerra contra especuladores.
O cenário previsto não podia ser pior: o euro desvalorizado, recessão e inflação.
Será o fim do euro? A União Europeia corre o risco de se desintegrar?
Jamais pareceu tão ameaçado o "projeto Europa": o processo de integração de
um continente que havia vivido duas catástrofes na forma de grandes guerras e
que por isso, já nos anos 50, começou a esboçar políticas econômicas comuns. A
ideia era não só aumentar o bem-estar dos cidadãos, mas sobretudo garantir a
paz numa região traumatizada.
Não demorou para a crise atual chegar aos "feuilletons", os cadernos culturais das
principais publicações alemãs.
O poeta e ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger, autor de "Hammerstein
ou a Obstinação", já vinha alertando para o crescimento da burocracia dentro da
UE e a expansão exagerada.
"Não se vê apenas no seu interior que as instituições europeias sofrem de
megalomania. Sua necessidade desenfreada de expansão é notória",
Enzensberger escreveu no início do ano no jornal conservador "FAZ".
A discussão intensificou-se com a crise na Grécia, o primeiro país a se declarar
falido, e pegou fogo quando a revista alemã "Focus" publicou na capa uma
montagem da famosa Vênus de Milo fazendo um gesto obsceno com os dedos da
mão. O fato chocou a Grécia, onde até houve chamados de boicote a produtos
alemães.
O primeiro intelectual grego a se manifestar foi o escritor Petros Markaris, tradutor
de Goethe e Brecht na Grécia e conhecido aqui na Alemanha por seus romances
policiais ("Hellas Channel"). Na revista "Der Spiegel", Markaris tentou explicar a
mentalidade dos gregos -um povo que não saberia lidar bem com o dinheiro- e
afirmou temer a piora das relações com os alemães. "Quando os gregos estão
desesperados, eles partem para o nacionalismo."
Talvez o mesmo aconteça na Alemanha, onde muitos intelectuais vêm sentindo
falta do princípio de solidariedade que sempre norteou a história da UE, alertando
para um "novo nacionalismo" ("primeiro a Alemanha, depois a Europa!" -ouve-se
cada vez mais em Berlim) e pedindo um esforço para salvar o euro.
Na última edição do semanário "Die Zeit", o filósofo Jürgen Habermas ("Discurso
Filosófico da Modernidade") lamentou o fenômeno da "nova indiferença alemã
frente à ideia europeia". Clamou por uma nova postura política e uma consciência
que ultrapasse as fronteiras nacionais, levando os países a compartilharem um
"destino europeu comum".
Já o ex-chanceler Helmut Schmidt, 90, um dos intelectuais mais respeitados do
país, chamou a Alemanha e a França, motores tradicionais da UE, para
reassumirem suas responsabilidades pelo continente no combate à especulação
contra o euro. "Nós precisamos proteger com cautela este que é o nosso filho em
comum."
Nem todos os intelectuais, porém, compartilham a "ideia europeia". Um dos mais
críticos é o escritor holandês Leon de Winter, conhecido na Alemanha por seus
best-sellers ("SuperTex") e por suas declarações polêmicas (por exemplo, de que
o islã seria o fascismo do século 21, e Barack Obama, um oportunista).
Na "Der Spiegel", De Winter declarou não se sentir solidário com os gregos e
disparou: "Não só o termo 'democracia' vem da Grécia, mas também as palavras
'caos' e 'crise'."
ESTA CRISE NÃO É DE HOJE: a dos teatros alemães. A maioria é subsidiada pelos
Estados e prefeituras, e muitas delas estão "falidas". Secretários de Cultura de
toda a Alemanha reuniram-se na semana passada em Colônia, buscando uma
saída.
Poucos meses atrás, a cidade de Wuppertal -conhecida por sediar o "teatro-
dança" da coreógrafa Pina Bausch (1940-2009)- anunciou o fechamento de seu
teatro municipal. O fato chocou todo o meio artístico.
JÁ OS DIRETORES DOS GRANDES MUSEUS alemães estão satisfeitos. Todo ano, eles
registram novos recordes de visitantes, ao todo mais de 100 milhões. E quanto
mais majestosa a construção de um museu, mais público a instituição recebe.
É o caso da Pinacoteca Moderna, de Munique, e do Museu Histórico Alemão, de
Berlim, reformado há poucos anos pelo arquiteto sino-americano I. M. Pei.
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