São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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DESIGN

A linguagem universal

Como um cientista social revolucionou o design gráfico

RESUMO A representação de pessoas e objetos em sinais gráficos para orientação espacial foi criada nos anos 1930 com a intenção utópica de facilitar e universalizar a comunicação não verbal. Livros narram vida e obra de seu criador e compõem repertórios de logotipos e "ex-líbris", gravuras que identificam bibliotecas.

STEVEN HELLER
tradução CLARA ALLAIN

Nós as vemos em aeroportos, hospitais e repartições públicas, em salas de espera e banheiros, em entradas e saídas: silhuetas esquematizadas de homens, mulheres e crianças. Esses ícones gráficos se caracterizam pelo estilo geométrico simples e reconhecível de imediato. São onipresentes, mas poucos sabem suas origens.
Os protótipos dessa linguagem pictórica foram desenvolvidos na década de 1930, no Museu de Sociedade e Economia, em Viena, por Otto Neurath [1882-1945], cientista social esquerdista especializado em economia política. O sistema de símbolos que ele criou, que ficou conhecido como Isotype (Sistema Internacional de Educação Pictórica Tipográfica), nasceu do desejo de revolucionar o entendimento entre povos e instituições.
O fato de um economista político ter feito história no design gráfico não é aleatório. Neurath "queria familiarizar e educar a classe trabalhadora em relação aos sistemas mais amplos de ordem que operam na cidade contemporânea", escreve o crítico Nader Vossoughian em "Otto Neurath: The Language of the Global Polis" [NAi Publishers, 176 págs., R$ 82,70], biografia compacta e muito pesquisada que explica a filosofia visual de Neurath no contexto de suas preocupações sociais e ambientais.
Neurath buscou criar "um sistema de representação gráfica que tornasse dados estatísticos legíveis e acessíveis a públicos de massa não especializados", para "lançar uma ponte entre a leitura e a visão, num esforço para acelerar a transmissão de informação". Seu sistema de imagens redutivas, que mostrava pessoas por características estereotipadas (trabalhadores braçais com martelos, funcionários de escritório com máquinas de escrever, lavradores com enxadas), criou imagens tão facilmente reconhecíveis que as palavras ficaram supérfluas.
A gama era tão ampla e os diagramas de construções e máquinas tão variados que qualquer ideia poderia ser expressa por uma ou mais imagens combinadas.

ESTATÍSTICAS Neurath pode não ser tão conhecido, mas tem importância maior no mundo das estatísticas visuais. Outros livros sobre sua obra saíram nos últimos dez anos, mas o de Vossoughian é particularmente útil. Traz uma quantidade generosa de ilustrações nunca antes vistas (incluindo propostas e esboços) e decompõe as preocupações de Neurath (comunidade, democracia e globalismo) em categorias temáticas. Cada uma delas contribuiu para uma narrativa que ele acreditava poder se tornar mais transparente com o uso de suas imagens. O homem "recebe sua educação pelos meios mais cômodos, especialmente em seus períodos de descanso, por meio de impressões óticas", ele escreveu. Segundo Vossoughian, Neurath acreditava que "a disseminação de imagens podia fomentar a Bildung, ou seja, a educação e autoatualização".
Um bom exemplo de como os símbolos Isotype foram usados para elevar a conscientização popular é encontrado em "Modern Man in the Making", obra de Neurath publicada em 1939; ela ilustra lindamente os meios que ele criou para mostrar dados, de outro modo impenetráveis, em imagens enxutas e de fácil assimilação. Vossoughian mostra que Neurath é o pai da tendência de uso de infográficos, tanto em meios de comunicação impressos como na internet.
Neurath ajudou a aprimorar as comunicações com seu altruísmo. Para muitos designers, porém, a criação de símbolos ou logotipos não passa de uma atividade rentável. Por que o custo de desenhar uma insígnia pode chegar à casa dos milhões? Porque os logotipos são mais do que meras marcas de identificação. São ícones sagrados, ou, como disse Paul Rand, o criador de logotipos da IBM e da Westinghouse, são patas de coelho, emblemas do incalculável.

SÍMBOLOS Nos séculos 20 e 21, foram criados símbolos e signos mnemônicos em volume suficiente para encher um livro grosso. Angus Hyland e Steven Bateman compilaram mais de 300 páginas deles em "Symbol" [Laurence King, R$ 94,50], com mais de 1.300 logotipos classificados por categoria. São símbolos de todo tipo: de marcas abstratas, como as da Canal Metro (emissora espanhola) e do banco Chase Manhattan ao inconfundível pinguim da editora Penguin ou ao brasão heráldico de leão da polícia dinamarquesa.
Muitos, como o símbolo de "Watsu", "abreviação de 'water shiatsu'" (shiatsu na água), são tão difíceis de interpretar que nem a explicação ajuda. Outros são tão evidentes que o prazer de resolver uma charada visual se perde. É o caso do símbolo do Conselho de Estilistas de Moda da América, um coração em forma de bandeira dos EUA sendo costurada.
"Symbol" traz a devida parcela de símbolos fracassados, como o logotipo da KereKere (rede de restaurantes australianos cujo nome se refere ao costume de "dar sem esperar nada em troca"), que mostra uma espécie de xícara da qual sai vapor em forma de corações. Mas há símbolos inesquecíveis e atemporais, como o "olho" da CBS, criado por William Golden, e o retângulo do Centro Georges Pompidou, idealizado por Jean Widmer, que mostra a escada rolante externa subindo pela fachada do museu parisiense.

MARKETING Como estudo comparativo, "Symbol" é instrutivo para designers e profissionais de negócios e de marketing; é interessante ver a razão entre ideias de vanguarda e convencionais.
Alguns motivos parecem impraticáveis como marcas, mas têm lógica quando vistos na página impressa. O rabisco aleatório e sem sentido do Parque de Atracciones de Madri, que "assinala a experiência emocionante de andar numa montanha-russa", teria enfurecido Otto Neurath, mas parece ter funcionado. Ficamos sabendo que um desenho ruim pode resultar num símbolo eficaz. Mesmo os logotipos mais complexos ou heráldicos de "Symbol" são redutivos. Para funcionar com eficácia, um logotipo precisa ser legível, seja ele grande como um outdoor ou pequeno como um colofão, a nota que assinala no fim de um livro informações sobre sua composição, tipologia etc.
Mas os ex-líbris, outra forma de marca identificadora, podem ser tão barrocos ou simplificados quanto deseja seu criador. Em "Ex Libris: The Art of Bookplates" [Yale University Press, 112 págs., R$ 39,90], Martin Hopkinson, ex-curador de gravuras na galeria Hunterian, da Universidade de Glasgow, explica que os ex-líbris, cuja origem remonta ao século 15 e significam "da biblioteca de", foram "um símbolo de prestígio e status na sociedade".
Segundo Hopkinson, "o ressurgimento na década de 1970 de ex-líbris de alta qualidade, desenhados por artistas, coincidiu com o 'revival' na Grã-Bretanha da técnica da xilogravura e de uma proliferação no mundo das artes da produção de múltiplos de todos os tipos". As gravuras do volume podem inspirar outro ressurgimento -possivelmente em forma digital.
Entre as reproduções impressionantes estão o retrato de 1524 desenhado por Albrecht Durer para o humanista de Nuremberg Willibald Pirckheimer; o ex-líbris de 1920 criado por Eric Gill para o pensador Ananda Coomaraswamy, obra-prima de simplicidade erótica que retrata uma cena do "Ramayana", e a xilo de uma cena rural feita por Lucien Pissarro em 1920 para ele próprio e sua mulher. Mas as que eu cobiço, pois remetem aos símbolos mais marcantes de Neurath e os de "Symbol", são as pranchas de 1923 do artista e poeta Sidney James Hunt, que foi secretário da Sociedade Inglesa de Ex-Líbris. Ter uma de suas xilos que lembram a forma de um narciso seria como ter uma gravura modernista olhando para você a cada vez que abre um livro.

Este texto foi originalmente publicado no jornal "The New York Times", em 21/10

O vienense Otto Neurath fez história no design gráfico ao criar um sistema de símbolos com o objetivo de revolucionar o entendimento entre povos e instituições

Por que desenhar uma insígnia pode chegar a cifras de sete algarismos? Porque os logotipos são mais que meras marcas de identificação. São ícones sagrados



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