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Visão preconceituosa
CARLOS FAGGIN
Tomadas as dez maiores cidades
do mundo e analisados os seus núcleos centrais, apenas raras apresentam essas áreas históricas degradadas. No entanto em uma delas, e é São Paulo, a área central
ainda não teve o processo de degradação e abandono interrompido. São Paulo é a única grande cidade do mundo que não iniciou o
processo de "gentrificação" do
centro histórico.
O leitor já imagina que isso não
se deve a um único motivo. Para
mim, porém, há uma razão que se
destaca: o Estado, por intermédio
dos órgãos afeitos à preservação
do patrimônio histórico, mantém,
com certa desconfiança, a iniciativa privada distante das ações de
valorização desses bens imóveis
arrolados como notáveis.
Isso acontece pelo uso de uma
visão ainda autoritária de patrimônio histórico e, mais, por uma
aversão quase completa, que o Estado alimenta, à mudança de uso,
notadamente para os usos ativos,
comerciais, residenciais etc. Se a
esse estado de coisas se contrapõe
o conceito mais contemporâneo
de que o uso de um imóvel é a maneira mais eficiente de conservá-lo, é fácil perceber que não é
possível conciliar aquela visão
centralizadora e preconceituosa
com essa última necessidade.
Não estamos longe de concluir
que essa somatória de restrições e
autoproclamações de capacidade
por parte do Estado seja de fato um
forte indutor da demolição clandestina e, em última análise, do
abandono e do descaso de que é
objeto o centro de São Paulo.
A reversão dessa situação só se
dará quando a iniciativa privada se
perceber como agente transformador e promotor de reciclagens,
reconversões e restauro.
O centro desse raciocínio é a mudança de uso, que se dá de forma
natural a partir da compreensão
de que o espaço arquitetônico é
um fluido. Como todo fluido, o espaço arquitetônico precisa de
"contenendores" para adquirir
forma, e um dos principais "contenendores" é a função. Quando
essa função se encontra culturalmente, sociologicamente ou economicamente superada, tem início a degradação do espaço. Só há
uma maneira de impedir esse processo: a mudança de uso, acompanhada da recuperação e da restauração desses imóveis.
A antiga sede da Eletropaulo e
seu anexo, na esquina do viaduto
do Chá com a rua Xavier de Toledo, estão passando por esse processo de dignificação arquitetônica, depois de esbarrar nas dificuldades peculiares a uma iniciativa
pioneira. Outras virão, estou certo; não há o que temer, no exercício de um trabalho competente, se
lembrarmos que cerca de 95% dos
bens imóveis tombados em São
Paulo foram construídos pela iniciativa privada. Assim, ninguém
melhor do que ela mesma para valorizá-los e preservá-los.
Carlos Faggin é arquiteto, professor de história
da arquitetura na FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e autor do projeto de restauração da antiga
sede da Eletropaulo.
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