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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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MUTUÁRIOS

Nova lei, que diminui de 10 para 5 anos o tempo de prescrição da dívida, faz bancos notificarem precipitadamente quem tem contrato ativo

Cai prazo para cobrar inadimplentes

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas associações de moradores e mutuários de todo o país, uma pergunta é cada vez mais comum: "Recebi um protesto interruptivo de prazo prescricional do meu financiador. O que é isso?".
Trata-se de uma medida tomada pelo agente financeiro (em geral, um banco) com o objetivo de ampliar o espaço de tempo para cobrar a dívida do mutuário antes de a mesma tornar-se inválida.
O curioso é que, embora o prazo prescricional só passe a contar após o fim do prazo de financiamento, muitos mutuários inadimplentes notificados ainda estão com os contratos ativos.
A raiz de tanta preocupação es- tá no artigo 206 do novo Código Civil -em vigor desde 11 de janeiro deste ano-, que diminui de dez anos para cinco anos o tempo de prescrição da dívida.
Maior agente financiador do país, a CEF (Caixa Econômica Federal) protestou cerca de 25 mil (1.670 só no Estado de São Paulo) contratos por meio da Emgea (Empresa Gestora de Ativos).
Os contratos, de acordo com a Emgea, permanecem ativos, e a notificação seria apenas uma "medida assecuratória" para a CEF não perder o prazo.
"É uma precaução desnecessária do agente financiador", esclarece Ronaldo Gotlib, 37, advogado especializado em direito imobiliário e presidente da CAJ (Central de Atendimento Jurídico).
O que o mutuário inadimplente deve fazer? Segundo o especialista, nada! "É uma notificação sem sentido e com a qual a pessoa não precisa se preocupar", afirma.

Leilão
Em contrapartida, ele deve redobrar a atenção a outras duas correspondências, mais comuns: a que traz o valor da prestação e a que informa que, devido à inadimplência, o imóvel vai a leilão.
Nos dois casos, avaliam os especialistas, o mutuário pode alterar uma situação que lhe é desfavorável com o auxílio da Justiça, embora, em geral, evite essa atitude.
"Em geral, os bancos cobram cifras indevidas, e o brasileiro, passivo, tem preguiça de lutar pelos seus direitos", diz Roberto Vieira Machado, 47, diretor da área imobiliária da consultoria Sagy.
Com o aumento das prestações, aumenta também a inadimplência, muitas vezes resolvida com o leilão do imóvel. Mas, se conduzido de forma extrajudicial, pode ser questionado em juízo.
Porém, de acordo com Amauri Bellini, consultor jurídico da ABMH (Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação), só 3% dos mutuários entram na Justiça pedindo a suspensão do leilão.
A maioria perde o imóvel sem discutir. "O mutuário tem condição de suspender o processo administrativo, mas falta esclarecimento", afirma Marcelo Luz, presidente da ANM (Associação Nacional dos Mutuários).

Quem dá mais
Ao levar o imóvel a leilão, as instituições financeiras se apóiam no decreto-lei 70/66, que permite ao credor readquirir o imóvel por meio de processo administrativo.
Mas especialistas ouvidos pela Folha dizem que há conflito com o artigo 5º da Constituição, no qual é assegurado que "nenhum cidadão será privado de seus bens sem o devido processo legal".
"Hoje a grande maioria dos juízes em São Paulo se posiciona contra o leilão", diz Marcelo Donizetti, presidente da Ammesp (Associação dos Mutuários e Moradores do Estado de São Paulo).
Embora o decreto tenha o suporte do STF (Supremo Tribunal Federal), existe, segundo o advogado Ronaldo Gotlib, uma "tese de inconstitucionalidade" que orienta a decisão da maioria dos juízes em favor do mutuário.
Não há um levantamento que indique quantas dessas causas são ganhas ou perdidas pelos mutuários. Bellini, da ABMH, assegura que 90% dos que entram na Justiça pedindo suspensão do leilão permanecem no imóvel.
As instituições financeiras contestam. Carlos Eduardo Fleury, 44, superintendente-geral da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), diz que só 10% ganham ações em caráter definitivo.
"A suspensão pode até ocorrer, mas é uma decisão provisória. A lei permite ao credor essa possibilidade. A constitucionalidade do decreto 70/66 pode ser discutida na primeira instância. Mas uma liminar não resolve a questão, e o mutuário, no final, perde a ação."


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