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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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CONDOMÍNIO

Mais que convenções antigas, Lei de Zoneamento de SP veta até atividade de escritor em bairros residenciais

Síndicos punem quem trabalha em casa

Fernando Moraes/Folha Imagem
Manoel Mesquita, síndico em Pinheiros, recorreu à Justiça contra um condômino para impedir o "entra-e-sai' no imóvel


ELENITA FOGAÇA
FREE-LANCE PARA A FOLHA


Não há problemas, tanto na Junta Comercial como na Receita Federal, em ter o mesmo endereço de pessoa física e jurídica, segundo o consultor tributarista Valdir Amorim, 43, do IOB Thomson. Mas trabalhar em casa, muitas vezes, é proibido pela convenção do condomínio ou pela Lei de Zoneamento da cidade.
No edifício Coraci, na Bela Vista (zona central de São Paulo), por exemplo, após a Prefeitura de São Paulo encaminhar a Taxa de Fiscalização de Estabelecimento (TEF) -suspensa para votação até 2004-, o síndico Oswaldo Marcatto, 68, descobriu que alguns moradores possuíam firmas abertas em suas residências.
Antes de multá-los em um salário mínimo -"Nossa convenção [de 1960] diz que o uso do imóvel tem de ser exclusivamente residencial", justifica-, ele pediu, por meio de circular interna, que os condôminos que estivessem em tal situação tentassem regularizá-la, mudando o endereço da pessoa jurídica para outro local.
O produtor cultural Luís Henrique Daltrozo, 37, que registrou sua empresa, a Daltrozo Produções, no endereço residencial, foi um dos notificados por Marcatto. "Acho isso uma perseguição. Não recebo ninguém comercialmente em minha casa. Minhas atividades são desenvolvidas no teatro, onde estou trabalhando", afirma.
"Agir com esse excesso de rigor é algo que não aprovamos", comenta Cesar Thomé Júnior, 55, presidente da Abadi (associação nacional de administradoras de condomínios). E é também juridicamente questionável. "É só a pessoa multada recorrer que ela ganha a causa", argumenta Claudio Anauate, 57, presidente da Aabic (associação paulista de administradoras de condomínios).
Manoel Mesquita, 70, síndico do edifício Fradique Coutinho, em Pinheiros (zona oeste), diz que não há problemas em condôminos trabalharem em casa. "A convenção só não permite que recebam clientes", diz. Ele conta que, há quatro anos, recorreu à Justiça. "Nem sei o que a moradora fazia, mas era tanto entra-e-sai que tomei uma atitude drástica."
De acordo com os últimos dados do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2001, no Brasil existem 719.997 homens e 2.039.962 mulheres trabalhando em casa. "Mas as leis não acompanham a evolução e as transformações da sociedade", diz o professor especializado em sociologia do trabalho Arnaldo Mazzei Nogueira, 45.
Titular da cadeira na USP (Universidade de São Paulo) e na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), ele afirma que, "se o condômino, exercendo sua profissão em casa, não coloca em risco a vida social e a segurança do prédio, não há razão para puni-lo". Mas a proibição pode estar além da convenção do prédio.
De acordo com dados da Secretaria da Habitação de São Paulo, nas regiões Z1 (estritamente residenciais), é vetada qualquer atividade em casa, até mesmo a de escritor. Já no Rio de Janeiro, segundo a Abadi, a lei municipal abriu exceções para as atividades intelectuais. "Não perceber que o mercado exige esse tipo de mudança é atestado de ignorância", observa Thomé Júnior.
Mas muitas pessoas já foram penalizadas. A relações-públicas Andréia Freitas, 40, registrara sua empresa no endereço do apartamento do qual era inquilina em Higienópolis (zona central). "Abri somente pelo fato de ter de dar nota fiscal para os clientes. Raramente recebia material por motoboys, por exemplo", conta.
Após inúmeras advertências e multas, ela se mudou. "No meu atual endereço, a convenção diz que o imóvel é de uso exclusivamente residencial, mas a síndica entendeu o meu trabalho e não tenho problemas." Luiza Raiol, 50, presidente da Associação Nacional de Defesa dos Condôminos, diz que "os edifícios estão atrasados com os tempos modernos".



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