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cultura digital
Usuário sempre vai driblar censura, diz cineasta
CINEMA DE TODOS Em entrevista à Folha, o diretor do documentário "Steal This Film" (roube este filme) fala sobre direitos autorais e liberdade na internet
ENTREVISTA
JAMIE KING
CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O inglês Jamie King não imaginava que sua vida não seria
mais a mesma após lançar na
internet seu documentário
"Steal This Film" (roube este
filme), sobre confrontos envolvendo direitos autorais.
O filme, lançado em 2006 e
disponível para download gratuito, foi visto por cerca de 5,6
milhões de pessoas. O documentário critica a investida de
um lobby americano contra o
site sueco Pirate Bay, considerado na época o maior tracker
de BitTorrent do mundo.
Não deu outra: Jamie King
tornou-se celebridade e um
ícone da liberdade na rede. Ele
esteve no Brasil, na semana
passada, e conversou com a Folha durante o Seminário Internacional do Fórum da Cultura
Digital Brasileira, realizado em
São Paulo.
FOLHA - Como surgiu a ideia do documentário "Steal This Film"?
JAMIE KING - O filme foi feito em
2006, momento em que a tecnologia peer-to-peer começou
a ser muito utilizada para compartilhar mídias, filmes, músicas e literatura. Essa tendência
desenvolveu um conflito entre
as diferentes comunidades virtuais que surgiram na esteira
da web 2.0 e os modos mais tradicionais de distribuição de filmes. Achei importante mostrar
esse cenário do ponto de vista
dos usuários da rede.
FOLHA - Você pode falar sobre a
prisão dos criadores do Pirate Bay?
KING - O Pirate Bay, no momento em que o filme foi feito,
era considerado o maior tracker de BitTorrent do mundo e
foi atacado pela polícia sueca
devido a uma pressão feita por
lobistas da indústria de distribuição de filmes sobre o governo sueco. Existem provas da
participação dos Estados Unidos no caso. Eles utilizaram um
documento internacional, o
WTO, da OMC, que funciona
como uma lista negra. Se o Pirate Bay não fosse tirado do ar
pelo governo, a Suécia seria incluída na famigerada lista negra da OMC. Essa dimensão
surpreendente do peer-to-peer
na geopolítica nos fez ver que
não estava em jogo apenas uma
tecnologia, e sim algo bem mais
importante, a nossa liberdade,
fundamental para o desenvolvimento da sociedade.
FOLHA - Você acompanhou outro
caso similar?
KING - Sim, houve todo tipo de
ataque no mundo inteiro. Teve
um caso de um rastreador de
BitTorrent muito grande de
música, no norte da Inglaterra.
O proprietário sofreu uma invasão da polícia em sua própria
casa, onde funcionava o rastreador. Acho que foi em 2008.
Era chamado Oinc, se tornou
famoso quando o vocalista de
uma banda inglesa badalada
afirmou que era seu site preferido para buscar música.
FOLHA - Ao mesmo tempo em que
se observa um movimento a favor
da liberdade na internet, aumenta
também a demanda por leis e maior
controle. O que você pensa disso?
KING - Estamos vivendo um
período tecnológico e cultural
singular. E, quando chegamos a
momentos como este, é uma
responsabilidade de quem sonha com um novo mundo torná-lo sedutor e positivo o bastante para atrair aquelas pessoas que ainda vivem no velho
mundo. Acho perigoso ver esta
relação como uma luta. Este
novo mundo é cada vez mais interessante para artistas e criadores, porque oferece novos
modos de distribuição, um
imenso público e formas renovadas de obter reconhecimento, apoio, por meio de novos
modelos de negócio que estão
surgindo. Precisamos lembrar
que no mundo antigo nem tudo
é perfeito. É nosso dever encontrar novos caminhos, para
que mais pessoas possam se expressar e alcançar público.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre
a cultura digital no Brasil?
KING - Há um ditado que diz:
"A grama é sempre mais verde
do outro lado da cerca." É mais
ou menos o que ocorre. Os EUA
e o Reino Unido olhavam para o
Brasil como se aqui fosse tudo
livre, mas o fato é que os problemas dos nossos cineastas e
artistas são os mesmos enfrentados pelos brasileiros, por
exemplo, a falta de possibilidades de distribuição, maior entrave para qualquer criador.
FOLHA - Que outros problemas são
semelhantes?
KING - O sistema antigo, do
qual estamos emergindo, exigia
grandes quantidades de capital
monetário para a reprodução
de trabalhos culturais.
Os jornais, por exemplo, aqui
ou em qualquer lugar, são propriedade de pessoas muito ricas, ou de um grupo de pessoas
com muito dinheiro. Não quero
dizer que sejam pessoas ruins,
mas são ricos, e isso muda o que
ouvem, o que podem dizer e influencia os tipos de visão que
circularão no jornal. É uma
consequência de um momento
muito particular, no qual é preciso muito dinheiro para operar. Isso obviamente significa
que diferentes grupos e ideias
políticas tiveram menos representatividade. É assim no mundo todo.
O ambiente digital muda o
jogo, pois agora podemos publicar essas visões, não custa mais
milhões de reais, libras ou dólares. Então, para um país como o
Brasil, com tanta desigualdade
social, os problemas não são diferentes, são mais urgentes.
Meu objetivo é justamente
mostrar às comunidades, que
são naturalmente muito criativas, como elas podem usar as
novas tecnologias para se expressarem, distribuírem seus
conteúdos, serem reconhecidas e conseguirem suporte material para o seu trabalho.
FOLHA - As tentativas de controle
da rede avançarão?
KING - Tenho duas respostas
para essa pergunta. Primeiro,
para preservar o modelo antigo, os defensores do que chamo
"velho mundo" exigirão a limitação ao uso de internet, vigilância total das pessoas, criminalização de atividades como
copiar um CD ou um filme, e
não fazem isso porque são
ruins, mas porque acreditam
ser o melhor modo de se estruturar uma sociedade, por isso
são forçados a tomar ações
muito extremas. Eles sabem
que se uma cópia escapar o que
virá depois é 1 milhão de copias.
Entendo a posição deles, mas
estão lutando uma batalha impossível. Infelizmente estão
preparados para retirar algumas das liberdades mais fundamentais de nossa sociedade,
por uma simples falta de criatividade em termos de pensamento sobre o futuro.
FOLHA - E a segunda resposta?
KING - Eles nunca vencerão.
Existem características fundamentais no período tecnológico em que vivemos. A rede não
será removida e o formato digital não vai desaparecer. Os
usuários consideram a censura
algo danoso e sempre encontraram modos de se livrar dela.
FOLHA - Você ganhou dinheiro?
KING - O documentário foi visto por 5,6 milhões de pessoas,
isso mudou minha vida. Surgiram novas oportunidades e
convites de diferentes tipos.
Creio ser um bom modelo a ser
seguido por novos cineastas e
criadores que pensem em usar
a internet. Claro que não fomos
pagos pelo filme, pelas cópias
baixadas na rede, mas houve
retorno mesmo assim.
FOLHA - Em que projetos você trabalha atualmente?
KING - Eu estou trabalhando
num projeto chamado Vodo
(vodo.net), que busca ajudar
produtores culturais a fazerem
uso das novas tecnologias. Descobrimos que, criando uma rede de comunidades de compartilhamentos de arquivos, conseguimos audiência para nossos criadores de filmes. O próximo passo é construirmos um
público cada vez maior que
curta fazer download de filmes
livres. Estamos desenvolvendo
novos modelos de negócios,
novas maneiras de sustentar
nossos trabalhos e famílias.
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