São Paulo, quarta-feira, 02 de dezembro de 2009

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cultura digital

Usuário sempre vai driblar censura, diz cineasta

CINEMA DE TODOS Em entrevista à Folha, o diretor do documentário "Steal This Film" (roube este filme) fala sobre direitos autorais e liberdade na internet

ENTREVISTA
JAMIE KING

CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O inglês Jamie King não imaginava que sua vida não seria mais a mesma após lançar na internet seu documentário "Steal This Film" (roube este filme), sobre confrontos envolvendo direitos autorais.
O filme, lançado em 2006 e disponível para download gratuito, foi visto por cerca de 5,6 milhões de pessoas. O documentário critica a investida de um lobby americano contra o site sueco Pirate Bay, considerado na época o maior tracker de BitTorrent do mundo.
Não deu outra: Jamie King tornou-se celebridade e um ícone da liberdade na rede. Ele esteve no Brasil, na semana passada, e conversou com a Folha durante o Seminário Internacional do Fórum da Cultura Digital Brasileira, realizado em São Paulo.

 

FOLHA - Como surgiu a ideia do documentário "Steal This Film"?
JAMIE KING
- O filme foi feito em 2006, momento em que a tecnologia peer-to-peer começou a ser muito utilizada para compartilhar mídias, filmes, músicas e literatura. Essa tendência desenvolveu um conflito entre as diferentes comunidades virtuais que surgiram na esteira da web 2.0 e os modos mais tradicionais de distribuição de filmes. Achei importante mostrar esse cenário do ponto de vista dos usuários da rede.

FOLHA - Você pode falar sobre a prisão dos criadores do Pirate Bay?
KING
- O Pirate Bay, no momento em que o filme foi feito, era considerado o maior tracker de BitTorrent do mundo e foi atacado pela polícia sueca devido a uma pressão feita por lobistas da indústria de distribuição de filmes sobre o governo sueco. Existem provas da participação dos Estados Unidos no caso. Eles utilizaram um documento internacional, o WTO, da OMC, que funciona como uma lista negra. Se o Pirate Bay não fosse tirado do ar pelo governo, a Suécia seria incluída na famigerada lista negra da OMC. Essa dimensão surpreendente do peer-to-peer na geopolítica nos fez ver que não estava em jogo apenas uma tecnologia, e sim algo bem mais importante, a nossa liberdade, fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

FOLHA - Você acompanhou outro caso similar?
KING
- Sim, houve todo tipo de ataque no mundo inteiro. Teve um caso de um rastreador de BitTorrent muito grande de música, no norte da Inglaterra. O proprietário sofreu uma invasão da polícia em sua própria casa, onde funcionava o rastreador. Acho que foi em 2008. Era chamado Oinc, se tornou famoso quando o vocalista de uma banda inglesa badalada afirmou que era seu site preferido para buscar música.

FOLHA - Ao mesmo tempo em que se observa um movimento a favor da liberdade na internet, aumenta também a demanda por leis e maior controle. O que você pensa disso?
KING
- Estamos vivendo um período tecnológico e cultural singular. E, quando chegamos a momentos como este, é uma responsabilidade de quem sonha com um novo mundo torná-lo sedutor e positivo o bastante para atrair aquelas pessoas que ainda vivem no velho mundo. Acho perigoso ver esta relação como uma luta. Este novo mundo é cada vez mais interessante para artistas e criadores, porque oferece novos modos de distribuição, um imenso público e formas renovadas de obter reconhecimento, apoio, por meio de novos modelos de negócio que estão surgindo. Precisamos lembrar que no mundo antigo nem tudo é perfeito. É nosso dever encontrar novos caminhos, para que mais pessoas possam se expressar e alcançar público.

FOLHA - Qual é a sua opinião sobre a cultura digital no Brasil?
KING
- Há um ditado que diz: "A grama é sempre mais verde do outro lado da cerca." É mais ou menos o que ocorre. Os EUA e o Reino Unido olhavam para o Brasil como se aqui fosse tudo livre, mas o fato é que os problemas dos nossos cineastas e artistas são os mesmos enfrentados pelos brasileiros, por exemplo, a falta de possibilidades de distribuição, maior entrave para qualquer criador.

FOLHA - Que outros problemas são semelhantes?
KING
- O sistema antigo, do qual estamos emergindo, exigia grandes quantidades de capital monetário para a reprodução de trabalhos culturais. Os jornais, por exemplo, aqui ou em qualquer lugar, são propriedade de pessoas muito ricas, ou de um grupo de pessoas com muito dinheiro. Não quero dizer que sejam pessoas ruins, mas são ricos, e isso muda o que ouvem, o que podem dizer e influencia os tipos de visão que circularão no jornal. É uma consequência de um momento muito particular, no qual é preciso muito dinheiro para operar. Isso obviamente significa que diferentes grupos e ideias políticas tiveram menos representatividade. É assim no mundo todo. O ambiente digital muda o jogo, pois agora podemos publicar essas visões, não custa mais milhões de reais, libras ou dólares. Então, para um país como o Brasil, com tanta desigualdade social, os problemas não são diferentes, são mais urgentes. Meu objetivo é justamente mostrar às comunidades, que são naturalmente muito criativas, como elas podem usar as novas tecnologias para se expressarem, distribuírem seus conteúdos, serem reconhecidas e conseguirem suporte material para o seu trabalho.

FOLHA - As tentativas de controle da rede avançarão?
KING
- Tenho duas respostas para essa pergunta. Primeiro, para preservar o modelo antigo, os defensores do que chamo "velho mundo" exigirão a limitação ao uso de internet, vigilância total das pessoas, criminalização de atividades como copiar um CD ou um filme, e não fazem isso porque são ruins, mas porque acreditam ser o melhor modo de se estruturar uma sociedade, por isso são forçados a tomar ações muito extremas. Eles sabem que se uma cópia escapar o que virá depois é 1 milhão de copias. Entendo a posição deles, mas estão lutando uma batalha impossível. Infelizmente estão preparados para retirar algumas das liberdades mais fundamentais de nossa sociedade, por uma simples falta de criatividade em termos de pensamento sobre o futuro.

FOLHA - E a segunda resposta?
KING
- Eles nunca vencerão. Existem características fundamentais no período tecnológico em que vivemos. A rede não será removida e o formato digital não vai desaparecer. Os usuários consideram a censura algo danoso e sempre encontraram modos de se livrar dela.

FOLHA - Você ganhou dinheiro?
KING
- O documentário foi visto por 5,6 milhões de pessoas, isso mudou minha vida. Surgiram novas oportunidades e convites de diferentes tipos. Creio ser um bom modelo a ser seguido por novos cineastas e criadores que pensem em usar a internet. Claro que não fomos pagos pelo filme, pelas cópias baixadas na rede, mas houve retorno mesmo assim.

FOLHA - Em que projetos você trabalha atualmente?
KING
- Eu estou trabalhando num projeto chamado Vodo (vodo.net), que busca ajudar produtores culturais a fazerem uso das novas tecnologias. Descobrimos que, criando uma rede de comunidades de compartilhamentos de arquivos, conseguimos audiência para nossos criadores de filmes. O próximo passo é construirmos um público cada vez maior que curta fazer download de filmes livres. Estamos desenvolvendo novos modelos de negócios, novas maneiras de sustentar nossos trabalhos e famílias.


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