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ENTREVISTA - DERRICK DE KERCKHOVE
Telefone celular será o computador popular do futuro
"Esqueçam o laptop de US$ 100 de Negroponte", proclama cientista canadense pai da psicotecnologia
Bruno Fernandes/Folha Imagem
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O pensador Derrick de Kerckhove, que realizou uma série de palestras no Brasil no início deste mês |
RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA
D
OUTOR em sociologia da arte e em língua
e literatura francesa, Derrick de Kerckhove, canadense nascido na Bélgica em
1944, dirige há mais de 20 anos o Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto. Ele esteve no Brasil no início do mês
para uma série de palestras e falou à Folha, em São
Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - O senhor inventou o termo psicotecnologia. O que é esse
conceito e como chegou a ele?
DE KERCKHOVE - Foi pelas relações com a linguagem. A linguagem está relacionada com
nossa mente, com nossos pensamentos. Tem um poder próprio, de ação, de meditação, de
ordenação de idéias, quando é
escrita. Toda tecnologia de suporte à linguagem é uma psicotecnologia. É uma tecnologia
que, via linguagem, conecta o
indivíduo, o interior e o exterior. A psicotecnologia é, predominantemente, uma tecnologia da linguagem. E cada vez
que muda o suporte para a linguagem, muda a sensibilidade
do usuário e da cultura.
FOLHA - Como isso acontece?
DE KERCKHOVE - Um exemplo é o
alfabeto, que criou o ser privado, um sentimento muito forte
de si mesmo, de identidade
própria. Uma diferença entre o
mundo lá de fora, que era objetivo, e essa pessoa aqui, subjetiva. Foi uma mudança poderosa,
pois isso não existia na tribo.
Na tribo, você era parte dela,
você se misturava, mesclava,
obedecia aos comandos, respondia às exigências, mas não
se abstraía do coletivo. Você estava sempre dentro da tribo ou
da família. Na sociedade oral,
não havia uma individualidade
muito forte, uma referência sobre si mesmo.
Com a psicotecnologia, você
tem esse sentimento de forma
muito forte. E com a internet
você tem o maior casamento
mítico de todos, o casamento
da velocidade máxima com a
complexidade máxima: a complexidade da linguagem e a velocidade da luz. Nós falamos
com a velocidade da luz.
As psicotecnologias estão
constantemente emergindo...
Seja o telefone celular, que concentra toda a história das comunicações em uma pequena
máquina que você leva no bolso, ou seja a altíssima complexidade dos supercomputadores
ou dos computadores quânticos, que virão no futuro...
Ou qualquer software, ou a
web 2.0: você pode multiplicar
a inteligência conectada na web
2.0 em qualquer configuração.
Pode ser a Wikipédia, que é
uma forma, ou o del.icio.us ou o
furl, que são softwares sociais.
Qualquer variedade de interação humana, software, isso é
psicotecnologia. Um blog é
uma psicotecnologia, é toda
uma nova forma de conectividade entre as pessoas, pois você
não apenas coloca lá seus pensamentos e idéia, mas o blog
funciona com os comentários
dos visitantes... Todas essas
coisas estão acontecendo mais
rapidamente do que nós conseguimos absorvê-las...
Vivemos hoje a era sem fio,
que é também experimentada
aqui no Brasil. Pelo que eu já vi,
melhor aqui do que em outros
lugares do mundo, porque você
tem aqui -nos hotéis, pelo menos- um acesso melhor, sem
ter de passar pelos rituais exigidos na Europa. É uma sociedade muito conectada...
FOLHA - Mas apenas para pouca
gente...
DE KERCKHOVE - Sim e não. Isso
ainda está para ser visto. Há
uma discussão hoje sobre conectar as favelas. É preciso ter
uma solução, e isso poderia ser
testado, pelo menos em uma
delas. Sim, eu concordo que
muita gente está excluída desse
processo, mas é muito menos
do que se pensa, se você considerar os telefones celulares.
Todo mundo tem telefone...
FOLHA - Pré-pago.
DE KERCKHOVE - O futuro próximo do telefone celular é ficar
mais e mais parecido com um
computador. Esqueça Negroponte e seu laptop de US$ 100.
O que teremos será um celular
de US$ 50, de US$ 20, que vai
fazer tudo o que você precisa.
Estou querendo dizer que, na
verdade, não há uma divisão digital, mas sim um choque. Os
dois grupos se chocam, se encontram. Sim, há enormes distâncias econômicas e sociais,
muito fortes. Mas você não pode simplesmente dizer que as
duas coisas são iguais.
A única relação possível do
mundo digital com as contradições sociais e econômicas é no
sentido de melhorá-las, de reduzi-las. Além disso, as pessoas
da favela, elas estão tendo acesso. Ok, é em LAN houses, mas
estão lá.
FOLHA - E qual o impacto disso na
vida das pessoas?
DE KERCKHOVE - Globalização.
Quando você carrega o mundo
em seu bolso, você é global,
querendo ou não, sabendo ou
não, gostando ou não. Nós estamos globalizados, nós estamos
conectados com o resto do
mundo. Nós já estávamos ligados pelas notícias, pela televisão, que traz as notícias do
mundo para nossa sala, mostrando a chegada do homem à
Lua, mostrando o mundo... Nós
fomos socializados pela televisão de uma forma global, com
certeza, e é por isso que McLuhan falava da aldeia global. Mas
agora nós somos cidadãos globais, cidadãos do mundo. E isso
é por causa dessa coisinha que
carregamos no nosso bolso.
FOLHA - O cidadão não é mais passivo...
DE KERCKHOVE - De jeito nenhum, e isso tem sido de grande ajuda para a humanidade,
especialmente para as sociedades mais atrasadas, para as pessoas que não sabem escrever.
Essas pessoas agora podem
falar pelo telefone, conversar,
dar e receber notícias, podem
perguntar sobre a situação do
mercado na área em que eles
atuam, enfim, há muita coisa
que elas podem fazer.
A sociedade oral está recuperando um pouco do poder e da
importância que perdeu para a
sociedade letrada. E os aspectos locais são enriquecidos pela
conexão global. A aldeia local,
onde nós estamos, onde atuamos, trabalhamos, é enriquecida pela dimensão global. Nós
funcionamos ao mesmo tempo
local e globalmente, e nossa
identidade está mudando, nossa sensibilidade está mudando.
FOLHA - E isso é bom?
DE KERCKHOVE - Sim, é muito positivo. O mundo está mudando,
deixando de ser planejado e
projetado e organizado, para
ser emergente, auto-organizado... Claro que há aspectos negativos... O terrorismo é um aspecto emergente...
FOLHA - E há regras, governos que
querem mandar no mundo...
DE KERCKHOVE - Você tem razão,
e isso é um problema, e nós teremos de enfrentar esse problema. A sua personalidade digital é cada vez menos uma propriedade sua, e mais uma propriedade do conjunto. McLuhan costumava dizer: "Quanto
mais sabem a seu respeito, menos você existe". Sua persona
digital escapa cada vez mais de
seu controle. Você não controla
sua reputação, você não controla os dados sobre você que
são coletados por bancos.
McLuhan dizia que a tecnologia iria nos apagar, apagar o indivíduo e deixar tudo sob o controle do Estado ou de algum sistema regulador, um Big Brother automatizado. Essa possibilidade existe...
Mas a experiência de liberdade... Uma vez que essa idéia entra na sociedade...
Acho que nós vamos nos
adaptando, vamos descobrir
que podemos manter alguma
coisa de nossa identidade ao
mesmo tempo em que hiperconectamos. Vamos encontrar
uma solução de compromisso,
um meio-termo.
Já existe, entre mim e o exterior, entre público e privado. No
Facebook, você está público, mas
você faz dele um uso particular,
ele é de seu uso particular. Isso é
bom? Nós já passamos do estágio
do bem e do mal.
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