São Paulo, quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

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MUNDOS VIRTUAIS

A nova modalidade de mão-de-obra barata consiste em pular etapas e vender personagens de games

Jogar vira emprego para jovens chineses

DAVID BARBOZA
DO "NEW YORK TIMES"

Uma das mais novas "fábricas" da China funciona no porão de um antigo armazém. Há pôsteres do World of Warcraft e do Magic Land nas paredes. Um bando de jovens grudados às telas de seus computadores ganha dinheiro usando seus teclados. As pessoas que trabalham neste local clandestino são chamadas de "fazendeiros do ouro". Todos os dias, em turnos de 12 horas, eles "brincam" com jogos de computador, matando monstros e vencendo batalhas, colhendo moedas de ouro artificial e outros bens virtuais que, como descobriu-se agora, podem virar dinheiro de verdade. Trata-se da terceirização da jogatina. De Seul a San Francisco, jogadores endinheirados -e sem tempo nem paciência para chegar aos níveis mais avançados dos games- estão dispostos a pagar aos jovens chineses para que prossigam nas etapas dos jogos.
Trabalho
"Meus amigos e eu matamos monstros 12 horas por dia, sete dias por semana", diz um jogador de 23 anos que trabalha numa "fábrica" provisória, conhecido virtualmente como Wandering (Errante). "Ganho cerca de US$ 250 por mês, o que é bastante se comparado com meus empregos anteriores. E posso jogar durante o dia inteiro." Ele e seus colegas acabaram criando mais um negócio que usa mão-de-obra barata chinesa. Estão infiltrados nos "massively multiplayer online games" (MMOGs), nos quais são criados personagens que vivem em reinos medievais ou em galáxias distantes. Os contratados são na maioria homens jovens como Luo Gang, um universitário de 28 anos que tomou emprestado de seu pai US$ 25 mil para abrir uma LAN house que acabou virando uma "fazenda de ouro", na periferia de Chongqing, na região central da China. Luo tem 23 funcionários e paga a cada um deles cerca de US$ 75 por mês. "Se não trabalhassem aqui, seriam garçons em restaurantes baratos, ajudariam seus pais nas fazendas ou vagariam pelas ruas, desempregados", diz ele. Os trabalhadores têm uma participação pequena nos lucros e são supervisionados por chefes que fornecem computadores, softwares e conexões de banda larga para que matem trolls, gnomos e ogros. "Recrutamos funcionários com anúncios em jornais", diz o proprietário que é apenas um pouco mais velho do que funcionários, cujas idades variam entre 18 e 25 anos. "Todos sabem jogar bem, mas não querem trabalhar demais", diz.
Propaganda
A internet está cheia de anúncios de empresas -muitas delas chinesas- que promovem leilões de personagens, chamados avatares, em troca de dinheiro de verdade, coisa que alguns jogadores fazem há alguns anos para sustentar seu hobby. "Vendo conta com Xamã no nível 60", diz o anúncio de um jogador de codinome Silver Fire, que usa o QQ, um popular programa de mensagens instantâneas da China. "Se quiser mais detalhes, fale comigo no QQ". A economia virtual está apagando a linha entre fantasia e realidade. Há poucos anos, alguns jogadores começaram a competir on-line com outros de outras partes do mundo. Não demorou para que jogadores ocasionais repassassem tarefas, pedindo a outros que cuidassem de suas contas ou jogassem por eles. Isso resultou na criação de centenas -ou talvez de milhares- de "fábricas de jogadores". Segundo estimativas, há mais de 100 mil jovens chineses trabalhando como jogadores em LAN houses, armazéns abandonados, escritórios ou mesmo em casa. A maioria deles ganha menos de R$ 0,50 por hora, mas tem casa, comida e jogos disponíveis em sua "escravidão virtual". Para muitos, a questão não é simplesmente jogar. Em vez disso, buscam a espada mais sofisticada, o encanto mais potente ou procuram atalhos para chegar ao nível mais avançado. Tudo isso em troca de algum dinheiro. "O negócio ganhou proporções inimagináveis", diz Chen Yu, 27, que emprega 20 jogadores. "Nos jogos mais populares, de 40% a 50% dos jogadores são "fazendeiros" chineses". Empreendedor ambicioso, Yu vislumbra um cenário promissor. "Meu objetivo é entrar no ramo de comércio exterior via internet", diz. "Os jogos on-line são apenas meu primeiro passo no mundo dos negócios", afirma em seu precário escritório, com um cofre debaixo da mesa.


Tradução de Flávio da Rocha Silveira

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