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Segurança / ENTREVISTA
LAURA CHAPPELL
Ciberespiã caça pedófilo na rede
Usando disfarces virtuais, especialista entra em salas de bate-papo para atrair predadores a armadilhas concretas
Leonardo Wen/Folha Imagem
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A especialista em segurança Laura Chappell e a tela de seu notebook, que está carregado com programas para monitorar redes
RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA
Mãe de um casal que está entrando na adolescência, a especialista em segurança de redes, escritora e ciberespiã Laura Chappell,
do Protocol Analysis Institute, tem dedicado parte do seu tempo à caça de criminosos que usam a internet para atacar crianças ou controlam redes de pornografia
infantil. Sob disfarces virtuais, conversa com os predadores e
os atrai para armadilhas. Na semana passada, deu uma série
de palestras na Fundação Armando Alvares Penteado, em
São Paulo, onde aconteceu esta entrevista, em que ela fala sobre os perigos da internet e como combatê-los.
FOLHA - Como é a caça de predadores de crianças?
CHAPPELL - No programa Internet Safety for Kids, entramos
na internet disfarçadas, com
perfil de crianças. Quando os
predadores entram em contato
com o perfil, a "criança", nós
gravamos tudo. Quando um deles parece que realmente quer
se encontrar com aquela
"criança" e parece que ele realmente vai atacar, daí a gente
passa tudo para os órgãos de segurança, para o FBI.
A outra coisa que faço é o
treinamento. Os órgãos de segurança querem que eu os ajude a entender o que acontece,
conhecer as ferramentas de informática e quando usá-las.
O projeto Internet Safety for
Kids, eu comecei há dois anos,
quando fiquei conhecendo um
caso terrível de abuso de crianças nos Estados Unidos. E resolvi usar minhas habilidades
de investigação e meus conhecimentos de internet para ajudar a combater isso. Tenho um
personagem, Kimberley, que a
gente criou o perfil, colocou na
internet, e ela tem tido muito
sucesso. Em uma palestra, cheguei a fazer uma demonstração
criando um perfil falso, entrando na internet. E era inacreditável ver as janelas pulando, ver
quanta gente tentava entrar em
contato com essa "garotinha".
Depois de uma das palestras,
enquanto eu dava autógrafos,
deixei o computador ligado e,
de repente, percebi que uma janela ficava pipocando, alguém
queria conversar com minha
personagem. Pedi para uma auxiliar conversar com um sujeito, que chegou a dar seu telefone celular e dizer que ele iria
voar para Utah, onde supostamente vivia essa menina, para
ter sexo com ela.
É incrível como eles se revelam. E é tão rápido e tão fácil
pegá-los. Em média, leva um
pouco mais de três minutos para uma criança ser abordada na
internet. A gente entra nessas
salas de chats, como Travel in
Europe, e não faz nada, só fica
lá esperando. Logo começam as
conversas particulares com a
personagem. O máximo que
demorou para a abordagem foi
sete minutos e doze segundos.
FOLHA - E o que a senhora diz sobre
serviços de comunidades on-line?
CHAPPELL - Esses serviços são
como um laguinho de trutas:
mesmo que você não saiba pescar, basta soltar uma isca lá e
você logo fisga alguém. Esses
lugares são "lagos" de predadores. Eles sabem que a garotada
vai aparecer, colocam perfis lá,
buscam perfis. Um dos casos
que eu conto, aliás, o predador
marcou encontro com a criança
pelo MySpace, mas a mãe ficou
sabendo e, quando o sujeito
chegou, encontrou a polícia.
FOLHA - O que esses sites podem
fazer para evitar isso?
CHAPPELL - Eles fazem alguma
coisa. Para ter uma página, eles
exigem o número de cartão de
crédito. Mas eu sei que meus filhos poderiam ter acesso ao número de meu cartão e poderiam usá-lo. E quando as crianças estão naquela idade, na adolescência, elas querem ter sua
página e não querem saber de
ouvir os pais dizendo "não". Ou
seja, isso não vai impedi-los. O
importante é que os pais saibam o que acontece. Alguns
pais me escrevem: "Ninguém
pode ver minha filha no
MySpace, porque o acesso é
apenas por senha..." Ora, a senha é para evitar o acesso dos
pais; todos os outros a própria
criança convida. Ou seja, não
tem nada a ver com proteção.
Ao mesmo tempo, esses serviços são o futuro da interação
social, então...
O importante é educar as
crianças: elas pensam estar
anônimas, elas pensam que não
vai acontecer com elas. Agora,
nós temos essa garota, Kilie
Taylor, que foi enganada e brutalizada por um sujeito que ela
conheceu na internet. Ela foi
resgatada, afinal, viva, e agora
dá palestras contando o que
aconteceu.
O sujeito que a atraiu passou
dois anos na preparação, conversando pela internet, até que
marcou o encontro e a pegou.
Agora ela dá palestras, e diz:
"Você pensa que não vai acontecer com você, mas veja só, isso aconteceu comigo..."
Isso é importante: educar os
jovens, informar. Dar mais visibilidade aos casos. Sai nos jornais, mas os jovens não lêem
jornais. Precisamos de adolescentes educadores e também
precisamos educar os pais, para
que eles saibam o que acontece
e possam usar esse conhecimento.
Os jovens precisam saber
que, quando colocam um perfil
na internet, estão mostrando
sua imagem para o mundo.
Uma garota de 15 anos coloca
no ar uma foto dela mesma nua
e se arrepende, tira do ar depois
de 15 minutos. É o que basta.
Não adianta mais. A foto foi
gravada, pessoas copiaram, vai
ficar lá eternamente. Ela vai ter
de viver com isso.
Os pais têm de mostrar isso
às crianças, mostrar o perfil dos
predadores para que os jovens
tenham consciência de como
eles são, como eles se apresentam na internet.
FOLHA - A senhora tem idéia de
quantos ajudou a prender?
CHAPPELL - Não, porque além de
nos apresentarmos com vítimas fictícias, a gente também
vai atrás das redes de pornografia infantil, que é quando a gente realmente consegue pegar
muitos. Pouco antes de vir para
cá, recebi um e-mail de um hacker brasileiro informando sobre três sites de pornografia infantil. Isso é muito interessante: um hacker, alguém que atua
à margem da lei, fazendo isso,
dizendo que quer ajudar. Ele
até já deu o endereço de dois
sujeitos que dirigem esses sites.
E isso é muito bom, pois algumas das ferramentas de software que usamos para investigar podem não ser legais para
uso da polícia nos EUA.
FOLHA - Por exemplo...
CHAPPELL - Tenho ferramentas
que não apenas entram no site
e escaneiam o site para ver as
aplicações que estão sendo usadas mas também procuram
vulnerabilidades. E, se eu encontrar, posso colocar um programa que me passe informações sobre o movimento naquele site. A polícia não poderia
fazer isso.
FOLHA - A senhora se torna o espião.
CHAPPELL - Exatamente. Essas
coisas são ilegais. Mas o bom é
que, quando passamos para a
polícia as informações obtidas,
eles podem então ver o que precisam de mandados judiciais
para então obter a informação
de forma aceitável. Isso apenas
ajuda a polícia a economizar
tempo. Ainda que signifique ultrapassar limites legais, vale a
pena para conseguir que esses
sites sejam fechados, e não apenas troquem de endereço.
FOLHA - Isso não a torna uma justiceira, agindo à margem da lei?
CHAPPELL - A questão é: nós não
estamos agindo diretamente,
não estamos atingindo ninguém. Não vamos lá e derrubamos o site nem prejudicamos
sua rede vendas. Apenas fazemos pesquisa.
É como se você visse, em
frente a um banco, alguém que
você sabe que vai tentar roubar
o banco. Você anota as placas
do carro, todas as evidências,
tudo o que podemos descobrir
sobre o sujeito e então passamos aquilo para a polícia.
FOLHA - O software usado foi especialmente desenvolvido?
CHAPPELL - A maior parte está
disponível na internet. Alguns
são de código aberto, alguns a
gente alterou. Nós usamos contra os cibercriminosos as mesmas ferramentas que eles usam
contra nós.
FOLHA - E como tudo isso começou? O que a levou a entrar nessa
área de segurança?
CHAPPELL - Eu estava na Novell,
que comprou uma empresa especializada em grampo e mandou eu ver como era. Quando
eles chegaram, entraram na
nossa rede e projetaram na tela
tudo o que estava acontecendo,
nossas comunicações, senhas,
eu fiquei: "Uau, eu quero fazer
isso pelo resto da minha vida".
FOLHA - E a senhora acha que a internet um dia será um lugar seguro?
CHAPPELL - Nunca, absolutamente nunca. Se alguém tem
tanta preocupação em relação à
sua segurança física, não pode
nem sair de casa, perde a liberdade. É o mesmo na internet.
Veja os serviços bancários on-line. Alguém pode dizer que
não vai usá-los, mas daí simplesmente perde a condição de
fazer transações bancárias.
Acho que nunca teremos segurança total na internet, mas as
pessoas estão ficando mais espertas, mais alertas. Muita gente hoje ainda cai em golpes
grosseiros. Hoje ainda temos
uma população adulta que não
é tecnologicamente alfabetizada, que abre esses e-mails maliciosos. Dentro de 20 anos, isso
não vai acontecer. Será muito
diferente. Você terá uma comunidade adulta e idosa muito
mais sofisticada do ponto de
vista tecnológico.
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