São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2007

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Segurança / ENTREVISTA

LAURA CHAPPELL

Ciberespiã caça pedófilo na rede

Usando disfarces virtuais, especialista entra em salas de bate-papo para atrair predadores a armadilhas concretas

Leonardo Wen/Folha Imagem
A especialista em segurança Laura Chappell e a tela de seu notebook, que está carregado com programas para monitorar redes

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

Mãe de um casal que está entrando na adolescência, a especialista em segurança de redes, escritora e ciberespiã Laura Chappell, do Protocol Analysis Institute, tem dedicado parte do seu tempo à caça de criminosos que usam a internet para atacar crianças ou controlam redes de pornografia infantil. Sob disfarces virtuais, conversa com os predadores e os atrai para armadilhas. Na semana passada, deu uma série de palestras na Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo, onde aconteceu esta entrevista, em que ela fala sobre os perigos da internet e como combatê-los.

 

FOLHA - Como é a caça de predadores de crianças?
CHAPPELL
- No programa Internet Safety for Kids, entramos na internet disfarçadas, com perfil de crianças. Quando os predadores entram em contato com o perfil, a "criança", nós gravamos tudo. Quando um deles parece que realmente quer se encontrar com aquela "criança" e parece que ele realmente vai atacar, daí a gente passa tudo para os órgãos de segurança, para o FBI.
A outra coisa que faço é o treinamento. Os órgãos de segurança querem que eu os ajude a entender o que acontece, conhecer as ferramentas de informática e quando usá-las.
O projeto Internet Safety for Kids, eu comecei há dois anos, quando fiquei conhecendo um caso terrível de abuso de crianças nos Estados Unidos. E resolvi usar minhas habilidades de investigação e meus conhecimentos de internet para ajudar a combater isso. Tenho um personagem, Kimberley, que a gente criou o perfil, colocou na internet, e ela tem tido muito sucesso. Em uma palestra, cheguei a fazer uma demonstração criando um perfil falso, entrando na internet. E era inacreditável ver as janelas pulando, ver quanta gente tentava entrar em contato com essa "garotinha".
Depois de uma das palestras, enquanto eu dava autógrafos, deixei o computador ligado e, de repente, percebi que uma janela ficava pipocando, alguém queria conversar com minha personagem. Pedi para uma auxiliar conversar com um sujeito, que chegou a dar seu telefone celular e dizer que ele iria voar para Utah, onde supostamente vivia essa menina, para ter sexo com ela.
É incrível como eles se revelam. E é tão rápido e tão fácil pegá-los. Em média, leva um pouco mais de três minutos para uma criança ser abordada na internet. A gente entra nessas salas de chats, como Travel in Europe, e não faz nada, só fica lá esperando. Logo começam as conversas particulares com a personagem. O máximo que demorou para a abordagem foi sete minutos e doze segundos.

FOLHA - E o que a senhora diz sobre serviços de comunidades on-line?
CHAPPELL
- Esses serviços são como um laguinho de trutas: mesmo que você não saiba pescar, basta soltar uma isca lá e você logo fisga alguém. Esses lugares são "lagos" de predadores. Eles sabem que a garotada vai aparecer, colocam perfis lá, buscam perfis. Um dos casos que eu conto, aliás, o predador marcou encontro com a criança pelo MySpace, mas a mãe ficou sabendo e, quando o sujeito chegou, encontrou a polícia.

FOLHA - O que esses sites podem fazer para evitar isso?
CHAPPELL
- Eles fazem alguma coisa. Para ter uma página, eles exigem o número de cartão de crédito. Mas eu sei que meus filhos poderiam ter acesso ao número de meu cartão e poderiam usá-lo. E quando as crianças estão naquela idade, na adolescência, elas querem ter sua página e não querem saber de ouvir os pais dizendo "não". Ou seja, isso não vai impedi-los. O importante é que os pais saibam o que acontece. Alguns pais me escrevem: "Ninguém pode ver minha filha no MySpace, porque o acesso é apenas por senha..." Ora, a senha é para evitar o acesso dos pais; todos os outros a própria criança convida. Ou seja, não tem nada a ver com proteção. Ao mesmo tempo, esses serviços são o futuro da interação social, então...
O importante é educar as crianças: elas pensam estar anônimas, elas pensam que não vai acontecer com elas. Agora, nós temos essa garota, Kilie Taylor, que foi enganada e brutalizada por um sujeito que ela conheceu na internet. Ela foi resgatada, afinal, viva, e agora dá palestras contando o que aconteceu.
O sujeito que a atraiu passou dois anos na preparação, conversando pela internet, até que marcou o encontro e a pegou. Agora ela dá palestras, e diz: "Você pensa que não vai acontecer com você, mas veja só, isso aconteceu comigo..."
Isso é importante: educar os jovens, informar. Dar mais visibilidade aos casos. Sai nos jornais, mas os jovens não lêem jornais. Precisamos de adolescentes educadores e também precisamos educar os pais, para que eles saibam o que acontece e possam usar esse conhecimento.
Os jovens precisam saber que, quando colocam um perfil na internet, estão mostrando sua imagem para o mundo. Uma garota de 15 anos coloca no ar uma foto dela mesma nua e se arrepende, tira do ar depois de 15 minutos. É o que basta. Não adianta mais. A foto foi gravada, pessoas copiaram, vai ficar lá eternamente. Ela vai ter de viver com isso.
Os pais têm de mostrar isso às crianças, mostrar o perfil dos predadores para que os jovens tenham consciência de como eles são, como eles se apresentam na internet.

FOLHA - A senhora tem idéia de quantos ajudou a prender?
CHAPPELL
- Não, porque além de nos apresentarmos com vítimas fictícias, a gente também vai atrás das redes de pornografia infantil, que é quando a gente realmente consegue pegar muitos. Pouco antes de vir para cá, recebi um e-mail de um hacker brasileiro informando sobre três sites de pornografia infantil. Isso é muito interessante: um hacker, alguém que atua à margem da lei, fazendo isso, dizendo que quer ajudar. Ele até já deu o endereço de dois sujeitos que dirigem esses sites. E isso é muito bom, pois algumas das ferramentas de software que usamos para investigar podem não ser legais para uso da polícia nos EUA.

FOLHA - Por exemplo...
CHAPPELL
- Tenho ferramentas que não apenas entram no site e escaneiam o site para ver as aplicações que estão sendo usadas mas também procuram vulnerabilidades. E, se eu encontrar, posso colocar um programa que me passe informações sobre o movimento naquele site. A polícia não poderia fazer isso.

FOLHA - A senhora se torna o espião.
CHAPPELL
- Exatamente. Essas coisas são ilegais. Mas o bom é que, quando passamos para a polícia as informações obtidas, eles podem então ver o que precisam de mandados judiciais para então obter a informação de forma aceitável. Isso apenas ajuda a polícia a economizar tempo. Ainda que signifique ultrapassar limites legais, vale a pena para conseguir que esses sites sejam fechados, e não apenas troquem de endereço.

FOLHA - Isso não a torna uma justiceira, agindo à margem da lei?
CHAPPELL
- A questão é: nós não estamos agindo diretamente, não estamos atingindo ninguém. Não vamos lá e derrubamos o site nem prejudicamos sua rede vendas. Apenas fazemos pesquisa.
É como se você visse, em frente a um banco, alguém que você sabe que vai tentar roubar o banco. Você anota as placas do carro, todas as evidências, tudo o que podemos descobrir sobre o sujeito e então passamos aquilo para a polícia.

FOLHA - O software usado foi especialmente desenvolvido?
CHAPPELL
- A maior parte está disponível na internet. Alguns são de código aberto, alguns a gente alterou. Nós usamos contra os cibercriminosos as mesmas ferramentas que eles usam contra nós.

FOLHA - E como tudo isso começou? O que a levou a entrar nessa área de segurança?
CHAPPELL
- Eu estava na Novell, que comprou uma empresa especializada em grampo e mandou eu ver como era. Quando eles chegaram, entraram na nossa rede e projetaram na tela tudo o que estava acontecendo, nossas comunicações, senhas, eu fiquei: "Uau, eu quero fazer isso pelo resto da minha vida".

FOLHA - E a senhora acha que a internet um dia será um lugar seguro?
CHAPPELL
- Nunca, absolutamente nunca. Se alguém tem tanta preocupação em relação à sua segurança física, não pode nem sair de casa, perde a liberdade. É o mesmo na internet. Veja os serviços bancários on-line. Alguém pode dizer que não vai usá-los, mas daí simplesmente perde a condição de fazer transações bancárias.
Acho que nunca teremos segurança total na internet, mas as pessoas estão ficando mais espertas, mais alertas. Muita gente hoje ainda cai em golpes grosseiros. Hoje ainda temos uma população adulta que não é tecnologicamente alfabetizada, que abre esses e-mails maliciosos. Dentro de 20 anos, isso não vai acontecer. Será muito diferente. Você terá uma comunidade adulta e idosa muito mais sofisticada do ponto de vista tecnológico.


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