São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004 |
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DOIS DOS MAIS PROVOCATIVOS ARTISTAS DOS EUA CONVERSAM SOBRE ENFERMEIRAS, CINEMA E SEXO
Encontrar conexões entre artistas é sempre um
exercício delicado. Pelo menos na superfície,
as animações sedutoras e mutáveis de Jeremy
Blake parecem ter pouco a ver com as sátiras
maliciosas de Richard Prince sobre os EUA, mas,
olhando de perto, começa a surgir uma série de preocupações mútuas. Ambos põem a nu as contradições
entre percepção e realidade, dissecam mitologias populares e desafiam antigas e novas narrativas. Assim
como a ousada recriação por Prince dos anúncios do
caubói de Marlboro expõe a arquitetura romântica
do Oeste americano, o trabalho mais recente de Blake, "Reading Ossie Clark", usa a trágica vida do estilista dos anos 60 como uma crítica oblíqua à falsa
promessa de hedonismo do período.
Prince - Sua família aparece em seu trabalho? Blake - Meu pai era um gay decadente e fabricado, freqüentador do Studio 54. Ganhava a vida como corretor de imóveis, por isso passei muito tempo em prédios vazios com ele, sentado no chão e fazendo desenhos. Ele era encantador e sempre um pouco instável, passando pela vida muito rapidamente -mas me incentivou muito no desenho. Minha mãe é uma mulher de duro trato no dia-a-dia -como uma mãe em um de seus quadros-piadas. Ela é supostamente muito espiritual, mas a religião continua mudando, e ela nunca foi simpática com minhas namoradas, então finalmente parei de agüentá-la. A coisa boa que puxei dela foi gostar de ler. Ela me deu os livros de C.S. Lewis e outros que tinham uma espécie de heroísmo romântico -e muita luz e sombra. Seu trabalho muitas vezes parece uma espécie de cabo-de-guerra com autobiografia -como se a necessidade de descrever simples e diretamente sua experiência estivesse sempre presente, mas equilibrada por uma recusa de sua parte a ser considerado a figura central. O que o motiva a evitar ser considerado a estrela de seu trabalho, quando tantos artistas (Cindy Sherman, Matthew Barney, Sean Landers etc.) não parecem se importar em se promover? Prince - Estou em meu quarto sozinho. Tenho minhas fotos de publicidade com celebridades no chão. Tenho minhas revistas de motocicletas sobre a mesa. Às vezes aparece uma imagem de caubói numa de minhas revistas assinadas. Há um cartaz do carro que Steve McQueen dirigiu no filme "Bullet" em minha parede. Tenho tudo isso no meu quarto. Posso entrar e sair dele quando quiser. Tenho muito tempo para ser eu mesmo, lá embaixo na cozinha... Por que você mora em Los Angeles, e não em Nova York? Blake - Originalmente vim para cá trabalhar com P.T. Anderson. Minha contribuição para o filme deveria durar um mês, mas levou seis. Eu prefiro trabalhar em Los Angeles porque tem sol, o aluguel é barato e prefiro a vida social de Nova York. Você não consegue comer aqui depois das 21h30 durante a semana e, embora existam ótimos museus, a maior parte das galerias aqui em Los Angeles tem vergonha de parecer ambiciosa -acho que essa é a maior diferença negativa. Prince - Qual é a diferença entre ser artista hoje e ontem? Blake - A tarefa é a mesma no nível pessoal para artistas de qualquer geração: entrar nas cavernas mais escuras da mente, encontrar algo que gostaria de trazer para mostrar e contar, arrastá-lo até a luz para que o resto das pessoas julgue -nunca é fácil. As pessoas da geração "baby boom" eram mais numerosas e tinham mais tabus sociais para combater. Essas coisas em geral ajudavam na atmosfera vital. Minha geração tem menos a ver com quantidade e mais com satélites -pessoas independentes, interiorizadas, que vale a pena conferir enquanto estão tranqüilamente se aperfeiçoando. Beck e P.T. Anderson são bons exemplos em suas respectivas disciplinas. Prince - Você acha que a arte online vai seguir o caminho da arte a laser e dos hologramas? Blake - Nunca vi arte on-line que me impressionasse. Mas me lembro com carinho da era do laser. Acho incrível toda aquela coisa conceitual e meio drogada dos anos 60 e 70. Fotorrealismo, escultura plástica a vácuo etc. Em geral também gosto da maioria das formas pop "menores": protetores de tela, videoclipes, telefones celulares musicais, gráficos de videogame antigos, fotos de cabine automática etc. Acho que a maioria dessas formas geralmente foi subestimada, porém, e a web arte foi superestimada, o que a torna aborrecida por antecipação. Apesar de seu trabalho ser formalmente elegante e produzido em séries muito pensadas, raramente é frio em temperatura. Na verdade, você parece ser atraído por temas que suam para ganhar a vida: caubóis, enfermeiras, comediantes, astros mirins explorados, ciclistas, expressionistas abstratos... Qual é sua relação com toda essa vitalidade? Prince - A comédia é um bom tema para a arte. Às vezes estou tão mergulhado no subsolo que tenho vertigem. O garotinho perdido se leva muito a sério. Como posso explicar? Dentro do museu o infinito está em constante julgamento. Meus pais me prendiam num armário. Até os 15 anos eu achava que era um terno. Arte tem a ver com dizer a verdade. Não encontrei mais nada que faça isso. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Texto Anterior: Gritos e sussurros Próximo Texto: + autores: A abstração revisitada Índice |
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