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Uma crescente sofisticação
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
Certos autores estão escrevendo sempre um único e mesmo
livro, do qual nos dão a conhecer pedaços ao longo dos anos.
Tomem-se, entre nós, os
exemplos de Rubem Fonseca e
de Dalton Trevisan.
Sem entrar no mérito da qualidade literária, é claro para o leitor atento que pouco mudou na
obra do ficcionista carioca desde a sua estréia, em 63; e quem
gosta de um dos livros dificilmente deixará de apreciar os demais -a não ser que mude a cabeça do leitor.
Com Trevisan ocorre o mesmo, de maneira ainda mais obsessiva. Estudiosos detectam
evoluções na capacidade de síntese do autor, mas o leitor comum em nada estranharia a
reunião dos seus livros num volume sequencial de título único.
Mário de Andrade destacava
três tipos de estreantes: os
"mais dolorosos", ou seja, os
ruins, que "nunca deveriam ter
estreado"; os "mais felizes",
que começam com "obras já
boas, mas ainda imperfeitas"; e
os "definitivos", que já nascem
acabados e completos ("Muitos
deles são excelentes e sabemos
que continuarão nos dando
obras excelentes. Mas não nos
dão esperanças -essa esperança feliz que a gente depõe nos
que ninguém sabe onde poderão chegar").
Sérgio Sant'Anna, ao contrário dos autores acima, encaixou-se desde a estréia no segundo tipo, apresentando ao longo
de sua carreira mudanças contínuas na forma de encarar o ofício literário. E o grande mérito
da coletânea agora lançada está
em expor essa evolução.
Em "Os Sobreviventes" (69),
o autor deixa fluir o anseio de
contar histórias de uma classe
média suburbana carioca à beira
de um ataque de nervos. A espontaneidade redunda às vezes
em aborrecida cadência narrativa, mas há sempre uma carga
emocional que dá unidade ao livro e que explode com beleza,
por exemplo, no conto "Frederico", sobre a relação pai-filho.
Essa estréia valeu a Sant'Anna
uma vaga no International Writing Program, na Universidade
de Iowa, EUA. E o livro seguinte, "Notas de Manfredo Rangel,
Repórter (a Respeito de Kramer)", de 73, é o reflexo da passagem por essa instituição.
Pois o que ali se lê, com efeito,
está mais para exercício do que
para criação literária. É como se
Sant'Anna tivesse resolvido nos
revelar o aprimoramento técnico obtido nos EUA.
As experimentações de fórmulas narrativas não surgem com
naturalidade, chamam a atenção em excesso, desviam o leitor
do essencial. Esse desejo (de resto, saudável) de inovar se expressa também nos romances
seguintes: "Confissões de Ralfo" (75) e "Simulacros" (77).
Claro que todos esses livros
não são apenas fruto de laboratório ou oficina. Tal visão seria
reducionista e injusta. Mas,
olhando a obra de Sant'Anna em
retrospectiva, é esse aspecto o
que mais salta aos olhos.
A virada mais relevante começa em 82, com "O Concerto de
João Gilberto no Rio de Janeiro", e se consolida no romance
"Amazona" (86).
"O Concerto..." funde o que
Sant'Anna experimentara antes
com uma temática mais ampla.
Resgata e ao mesmo tempo molda a espontaneidade, o fluxo livre, da estréia. O conto que dá
título ao livro e um outro, "Na
Boca do Túnel", são pequenas
obras-primas.
A produção posterior -"A
Senhorita Simpson" (89),
"Breve História do Espírito"
(91) e "O Monstro" (94)-
mantém o mesmo comportamento autoral. Foi-se a necessidade de inovar a qualquer custo.
Cenários e personagens se sofisticam, o texto é mais enxuto.
"As Cartas Não Mentem Jamais", conto do último livro, é
uma das mais belas narrativas
do autor.
Talvez Sant'Anna ainda não
tenha escrito aquele que será o
seu grande livro, embora tenha
sabido propiciar excelentes momentos de fruição artística e,
por que não, bom e puro entretenimento. Reside justamente
aí, na expectativa, na "esperança" de que falava Mário de Andrade, o maior e permanente
trunfo desse autor.
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