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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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O George Orwell de cada um

Roberto Dias
de Nova York

Muita gente concorda em dizer que George Orwell é moderno e diz muito sobre os EUA de hoje, e a internet está repleta de discussões sobre a atualidade do autor. Cada um, porém, atualiza o texto de "1984" à sua maneira.
Calvin Smith, pesquisador da Universidade da Califórnia, em Berkeley, por exemplo, criou uma "máquina" para traduzir as notícias reais para os padrões da "novilíngua", a linguagem que serve aos propósitos do Grande Irmão. Sua idéia era mostrar que não precisou fazer muito para chegar lá: apenas substituiu alguns dos nomes, como EUA por Oceania. "O resultado foi muito perturbador. Há similaridades atordoantes entre a retórica do Ministério da Verdade e os porta-vozes do governo em assuntos como o Iraque, a Al Qaeda e a perda de liberdades civis após o 11/9", diz.
Do outro lado do país, em Massachusetts, na costa leste, o professor Thomas Cushman, do Wellesley College, organizou no mês passado um grande seminário sobre o centenário de Orwell.
Sua conclusão: "Acho importante que não se façam comparações baratas entre Bush e o Grande Irmão". Em sua opinião, "1984" é importante por causa "das disputas entre Bush e a esquerda". A "esquerda", diz, divide-se entre os contrários à ações de Washington e a parte "que entende a necessidade de lutar contra o fascismo" -no caso, as organizações terroristas. Segundo ele, o livro criticava a esquerda que não se importava com as práticas do stalinismo.
Já Jacob Levich, da Stonybrook University, em Long Island, afirma: "Há controvérsia sobre Orwell porque tanto a direita quanto a esquerda tentam usá-lo como argumento. A questão é se lemos Orwell como um fabulista ou um profeta". Levich prefere o segundo grupo: "Quem o lê como um fabulista diria que em "1984" ele estava descrevendo a União Soviética de 1948. Hoje é muito mais útil lê-lo como um profeta, antecipando o império dos EUA de 2003 em diante".
A tal profecia, para quem se põe no segundo grupo, apareceria no discurso de guerra permanente contra o terror. "Há conexões óbvias. Ele fala sobre a manipulação popular pela linguagem, da criação de tensão e medo para que a população seja manipulada. E sobre a necessidade constante e urgente de suporte do público", diz Simon Davis, diretor da Privacy International, organização de defesa dos direitos humanos.


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