São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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+ Polêmica

À sombra do radicalismo

Livro desmonta as teses anti-semitas de um dos principais pensadores da esquerda, o francês Alain Badiou

NICOLAS WEILL

Para compreender do que trata esta pequena obra /, clara e muitíssimo bem-escrita, é preciso lembrar que esse ensaio se situa no contexto de um debate que agita a vida intelectual francesa há alguns anos, em torno de Israel e do "substantivo judeu".
Desta vez é o filósofo Alain Badiou quem constitui o foco provisório do debate -ou, dirão outros, seu alvo.
Desde o retorno público do anti-semitismo ao cenário francês, no outono de 2000 /, o professor de literatura contemporânea e discípulo de Roland Barthes Eric Marty transformou em especialidade sua rastrear as negligências ou irresponsabilidades de certos intelectuais (dos quais não necessariamente se esperaria isso) com relação ao assunto, no pensamento crítico dos anos 60 e 70.
Esse pensamento se viu favorecido pela eclosão de movimentos altermundialistas (a favor da globalização alternativa), no final dos anos 90. Os teóricos que o ilustraram se ergueram contra uma opinião pública supostamente influenciada por uma onda de fundo neoconservador.
Nesse repertório encontramos os filósofos Gilles Deleuze e Michel Foucault, situados por Marty em oposição na questão de Israel, sendo o primeiro mais hostil e o segundo mais favorável. Outro ex-discípulo de Louis Althusser, Etienne Balibar, também é visado.

Excessos
Contudo, tanto por sua obra -hoje traduzida em todo o mundo- quanto por seu passado maoísta, é sobretudo Badiou quem se configura como o último dos moicanos dessa geração.
Leitor sutil, Marty conhece e aprecia esse corpus e sabe detectar seus excessos.
Excessos cujas conseqüências, para ele, seriam uma certa cegueira para a questão do anti-semitismo, seja por condescendência para com o radicalismo muçulmano, visto como a revolta dos novos "condenados da Terra", seja por um antiamericanismo e um antiliberalismo levados ao absurdo.
Para atacar os "heróis culturais" das novas radicalidades, ontem Genet e hoje Badiou, Marty examina textos e raciocínios com paciência, rastreando incansavelmente as complacências que, segundo ele, levam alguns estudiosos engajados a adotar posições irresponsáveis.
A "querela" -termo ao qual é dada preferência sobre "panfleto", pois o autor quer discutir exclusivamente "palavras e pensamentos", e não homens- visa sobretudo uma coletânea publicada por Alain Badiou em 2005, sob o título de "Circonstances 3 - Portées do Mot "Juif'" /.
Entre outras proposições, o filósofo dizia que, como "a palavra "judeu'" é um "predicado" (um atributo acidental) imposto pelo nazismo, ater-se a ela significava perpetuar a língua do carrasco e do extermínio.
Na medida em que o atual Estado "judaico" reivindica para si esse particularismo contaminado, ele teria, portanto, a vocação de desaparecer enquanto tal, em benefício de uma "Palestina laica e democrática, isenta de qualquer predicado".
Por que Marty ataca esse ponto de vista, com certeza singular em sua encenação conceitual, mas clássico em sua conclusão, já que ele se contenta em reiterar a "solução" preconizada pela extrema esquerda para o conflito do Oriente Médio?
Difícil de resumir, sua posição pode remeter a uma crítica muito grave dirigida aos pensadores radicais, que trocaram o comunismo por um anticolonialismo requentado.
Pelo fato de que a sombra do Holocausto impediria, em sua opinião, de visualizar com calma a possibilidade da destruição de Israel, derradeiro "Estado colonial", esses pensadores querem negar não a realidade do Holocausto, mas sua especificidade.

Guantánamo e Auschwitz
Mesmo que signifique postular como equivalentes o cadastramento de judeus por Vichy e os procedimentos de regularização de imigrantes sem documentos conduzidos pelo governo do premiê francês Lionel Jospin / ou comparar Guantánamo a Auschwitz, como fez o filósofo italiano Giorgio Agamben. Num momento em que tanto se fala de uma refundação intelectual da esquerda, as inquietudes de Marty continuam a merecer um exame sério.

Este texto foi publicado no "Le Monde". Tradução de Clara Allain.


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