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O velho e podre OESTE
Herdeiro de Faulkner, Cormac McCarthy pinta, em "Onde os Velhos Não Têm Vez", uma civilização dominada
pela barbárie
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Cormac McCarthy é
um dos maiores escritores americanos
vivos, herdeiro de
Faulkner e da melhor tradição sulista. Seus livros retomam a mitologia do
velho Oeste para transformá-lo, sob um arrebatamento de
inspiração bíblica, num território épico povoado de heróis
trágicos.
É o caso dos protagonistas de
"Meridiano Sangrento" e de
"Todos os Belos Cavalos", romances de formação (ambos
publicados no Brasil) em que o
confronto com a violência do
Oeste, visto como o que está à
margem, na fronteira, no limiar, serve de rito de passagem
para adolescentes em contato
direto com a natureza agreste
do deserto e com o pior e o melhor da humanidade.
A julgar por "Onde os Velhos
Não Têm Vez", publicado em
2005 nos EUA, essa é uma formação que não termina nunca.
O romance é narrado em parte
por um velho xerife que, às vésperas da aposentadoria, quando achava já ter visto tudo, ainda se espanta diante do mal.
Homem recluso, avesso ao
marketing, autor de romances
sem concessões, McCarthy
mantinha uma vida isolada, em
El Paso, no Texas, até ser resgatado pela mídia ao conceder
uma entrevista ao "New York
Times" por ocasião do lançamento de "Todos os Belos Cavalos", em 1992.
Ágil, mas convencional
Desde então, o autor difícil
passou a receber o tratamento
publicitário reservado aos best-sellers pelo mercado editorial
americano e o internacional.
Não se sabe até que ponto
uma coisa terminou por influenciar a outra (a literatura
não deve ser julgada pelo que
lhe é exterior nem pela imagem
que os críticos fazem dos autores), mas o fato é que, apesar do
desencanto com a derrocada do
mundo que o velho xerife exprime em "Onde os Velhos Não
Têm Vez" ou talvez por isso
mesmo, o romance é muito
mais convencional que os projetos mais ambiciosos do autor.
Livro ágil, que se lê com interesse e com rapidez, escrito à
maneira de um desses roteiros
do cinema independente americano, ambientados na fronteira do México, que costumam
receber o selo de aprovação do
festival de Sundance e que, embora aparentemente imunes a
Hollywood, também reproduzem um modelo narrativo.
A violência sempre esteve
presente nos romances de
McCarthy. Assim como o estilo
cinematográfico da narração. O
escritor já foi comparado a Sam
Peckinpah. A diferença é que,
neste romance, a própria realidade parece ter se convertido
num filme de Tarantino.
Os personagens parecem saídos de um roteiro (ou feitos para se encaixar nele), assim como as cenas e a estrutura de
ações intercaladas. Há carros
de traficantes queimados e
abandonados no deserto. Há o
fugitivo com uma mala cheia de
dinheiro, passando as noites incógnito em motéis de fronteira.
Há o facínora psicopata atrás
do dinheiro. E há o velho xerife,
veterano da Segunda Guerra,
carregando um passado de culpa e desiludido com os rumos
da nação.
Uma caçada humana em que
um homem foge com alguns
milhões de dólares encontrados por acaso entre traficantes
mortos, enquanto um assassino de aluguel segue os seus passos e um xerife tenta interromper o rastro da destruição.
Por mais violentas e físicas
que sejam as coisas narradas, a
impressão é de um imaginário
de segunda mão, que já não desbrava novos territórios, mas reproduz, na forma, nas leis e na
lógica, aquele que reconhecemos dos filmes de ação americanos -a versão cinematográfica do romance, que teve a colaboração do próprio autor no
roteiro, deve estrear no ano que
vem, com direção dos irmãos
Ethan e Joel Coen e elenco
composto por Javier Bardem,
Woody Harrelson e Tommy
Lee Jones.
Por meio do velho protagonista estarrecido com a derrocada ao seu redor, McCarthy fala da velhice e do desencanto do
mundo, do tráfico de drogas, do
mercantilismo, do esgarçamento das relações sociais e da
civilização cedendo à barbárie.
Vem daí o belo título do romance. É um tanto perturbador, porém, pensar que a resignação desiludida do protagonista, disposto a pendurar as
chuteiras diante do mal que o
cerca, possa ter alguma ressonância na própria disposição
do escritor aos 73 anos.
E que o romance já não se
apresente como resistência, a
desbravar territórios próprios
e desconhecidos, mas procure
seguir um modelo de narrativa
de ação ao qual já estamos acostumados.
Leitura fácil
A leitura fácil de "Onde os
Velhos Não Têm Vez", se não
deixa de ser prazerosa, também
não impõe nenhum desafio. É
possível que não haja nada errado nisso. Mas, se é a resistência que nos dá a dimensão da liberdade, talvez não reste outra
opção senão se resignar ao fato
de que, no mundo concebido
pelo desencanto tardio e radical de McCarthy, não são só os
velhos que não têm vez. A literatura também não.
ONDE OS VELHOS NÃO TÊM VEZ
Autor: Cormac McCarthy
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Alfaguara (tel. 0/xx/21/
2556-7824)
Quanto: R$ 38,90 (252 págs.)
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