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Uma medida de pó
PARA
VON LAMPE,
OFERTA REGULADA
DE DROGAS
A VICIADOS TEM MENOS CUSTOS SOCIAIS;
PARA ELE, "CRIMINOSOS PRESTAM SERVIÇOS ÀS ELITES SOCIAIS"
Ricardo Moraes-21.out.09/Reuters
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Policial vigia sua casa suspeita de abrigar traficantes de drogas em favela no Rio de Janeiro
EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO
O crime organizado
é um "governo do
submundo", defende o pesquisador alemão Klaus
von Lampe. Ele é autor do livro
"Crime Organizado" (publicado na Alemanha em 1999).
Professor de justiça criminal
na Universidade da Cidade de
Nova York (EUA) e um nomes
mais respeitados em sua área,
Von Lampe estuda a formação
e a atuação do crime organizado, sobretudo na Europa.
Em entrevista à Folha, ele
diz que a violência desencadeada pelo crime é parte de um fenômeno que perpassa alianças,
disputas e interesses entre grupos criminosos e também parcelas da elite social.
"Criminosos geralmente
prestam serviços às elites sociais", afirma.
Reduzir o poder do crime organizado -que chegou a derrubar um helicóptero da polícia,
no Rio Janeiro (leia na outra
página)- segundo Von Lampe,
depende de ações que partam
do Estado e da sociedade.
Ele ainda defende, na entrevista abaixo, a descriminalização controlada das drogas, o
que, diz, poderia reduzir o tráfico e seus custos sociais.
FOLHA - A legalização do uso de
drogas é uma medida eficaz para
combater o narcotráfico?
KLAUS VON LAMPE - Em primeiro
lugar, não acho, por várias razões, que uma legalização total
de todas as drogas seja praticável. O que é mais viável é a descriminalização, juntamente
com um alto nível de regulação.
Em segundo lugar, o número
de consumidores, o impacto
negativo sobre eles, os custos
sociais do uso de drogas e o volume do tráfico poderiam ser
reduzidos significativamente
fornecendo o acesso legal às
drogas atualmente ilegais.
Todas as pesquisas sobre os
efeitos da oferta controlada de
drogas aos consumidores -como a heroína dada aos viciados
em heroína- indicam que isso
apresenta mais vantagens que
desvantagens.
FOLHA - Que drogas dão mais dinheiro ao crime organizado?
VON LAMPE - Depende do fornecimento, da demanda e dos traficantes de drogas. Quanto
mais elevados são a intensidade
da aplicação da lei e os custos
de transporte, mais elevado será o valor por unidade.
Por isso os traficantes colombianos trocaram a maconha
por cocaína quando os EUA intensificaram os esforços contra
o contrabando na região do Caribe. A maconha era, simplesmente, muito volumosa.
FOLHA - O que sustenta o fluxo do
tráfico de drogas?
VON LAMPE - Oferta e procura, e
também um número justo de
coincidências entre os meios de
transporte, os contatos pessoais, as preferências e as habilidades dos traficantes.
FOLHA - No Brasil, organizações como o Primeiro Comando da Capital,
em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio, agem mesmo com vários de seus líderes presos. Como o
sistema carcerário e a legislação penal contribuem para o fortalecimento do crime organizado?
VON LAMPE - Há diversos exemplos, historicamente, de organizações criminosas (e, de forma geral, de redes criminosas)
que estão sendo formadas dentro das prisões.
Isso não é uma surpresa, a
prisão é um lugar de encontro
para pessoas que pensam de
modo parecido. O fenômeno
das gangues nas prisões parece
ter relação, em parte, com superlotação e conflitos entre os
detentos.
A solução óbvia seria reduzir
a superlotação nas prisões, procurando alternativas ao aprisionamento e/ou expandindo
as capacidades do sistema carcerário.
FOLHA - Qual deve ser a responsabilidade do Estado no combate às
organizações criminosas?
VON LAMPE - É importante que
a pressão na aplicação da lei em
criminosos seja elevada. A polícia precisa de determinadas
ferramentas de investigação
para ser eficaz.
Além dos meios repressivos,
a polícia e a sociedade devem
desenvolver medidas preventivas contra a logística de grupos
criminosos, reduzindo as oportunidades para o crime organizado e para os criminosos se estabelecerem e manterem contatos com outros criminosos.
FOLHA - Sua tese de doutorado trata do conceito americano de "crime
organizado". Como nasceu o crime
organizado nas sociedades modernas? A vida urbana foi fundamental
para isso?
VON LAMPE - Eu examinei o
conceito de crime organizado,
que foi consistentemente usado no discurso político sobre o
crime desde 1919, começando
em Chicago [EUA]. Mas ele não
é confinado necessariamente
aos ambientes urbanos.
FOLHA - Em áreas dominadas pelo
tráfico de drogas em cidades como o
Rio de Janeiro, organizações criminosas têm influência na comunidade local. Pode haver mudanças na
percepção social do crime dentro e
fora da área controlada?
VON LAMPE - Traficantes de
drogas controlando um território são um problema que, acho,
precisa ser visto sob diferentes
ângulos.
É preciso focar membros individuais, a gangue e seus símbolos, o contexto situacional de
lugares de encontro, o transporte, o armazenamento e a
venda das drogas.
É preciso identificar os problemas sociais que conduzem à
tolerância e à aceitação de traficantes de drogas em comunidades, a ponto de serem imitados pelos jovens.
Não há nenhuma solução
aplicável de maneira geral. É
preciso sempre olhar a situação específica.
FOLHA - Como funciona a estrutura de poder do crime organizado?
VON LAMPE - Há diferentes manifestações do crime organizado. Na maior parte da Europa
Ocidental, o crime organizado
está ligado ao fornecimento de
mercadorias e serviços ilícitos,
e atividades como fraude, roubo, saque e extorsão.
Em algumas regiões da Europa e dos EUA, esses crimes
ocorrem no contexto de um
"governo do submundo", isto é,
estruturas mais ou menos formalizadas que controlam e regulam atividades ilegais.
Normalmente, nesses casos,
os criminosos são forçados a
compartilhar seus lucros ilegais com os grupos que se especializam no uso da violência e
podem receber, em retorno, benefícios como proteção.
Às vezes, há uma sobreposição entre empresas ilegais e o
"governo do submundo" -por
exemplo, quando membros de
uma família da máfia na Sicília
(Cosa Nostra) estão envolvidos
no tráfico de drogas.
Às vezes, os grupos começam
como empresas ilegais e procuram ganhar o controle sobre
um território. Eles estabelecem
então um monopólio ou licenciam as atividades de outros
criminosos.
Por exemplo, um grupo do
tráfico permite a um número limitado de indivíduos vender
drogas em um determinado
território.
Em algumas regiões da Europa -e, historicamente, também nos EUA- há uma aliança
entre o mundo e o submundo.
Os criminosos colaboram
com políticos e homens de negócios. Tais alianças emergem
quando os governos e a sociedade civil são fracos.
Os interesses particulares e
políticos são perseguidos, mesmo violando a ordem legal e
constitucional existente.
Criminosos geralmente
prestam serviços às elites sociais. Quando essas alianças se
rompem, como no caso do cartel de Medellín [na Colômbia] e
da máfia siciliana no começo
dos anos 90, as elites políticas e
dos negócios prevalecem no
conflito militar subsequente,
porque as elites sociais podem
fazer todo o uso de recursos estatais (incluindo a polícia e as
Forças Armadas).
FOLHA - Quais são as diferenças
entre o crime organizado na Europa
e nos Estados Unidos?
VON LAMPE - As organizações
criminosas na Europa e nos
EUA se enquadram em três categorias amplas: empresas ilegais, associações criminosas e
"governo do submundo".
Empresas ilegais, como grupos que realizam tráfico de drogas, tendem a ser pequenas e
encaixadas em redes criminosas maiores.
Associações criminosas fornecem status e sustentação
mútua e atendem, indiretamente, atividades econômicas
ilícitas dos seus membros.
Elas regulam o comportamento entre os membros, como uma associação profissional, e podem desenvolver uma
estrutura hierárquica.
"Governos do submundo"
precisam ter uma estrutura
hierárquica para evitar o conflito interno e trabalhar efetivamente. Eles também precisam
ser reconhecíveis.
Em muitos casos, isso é conseguido por meio de alguns
símbolos.
Associações criminosas podem funcionar como "governos
do submundo".
Em contraste, as demandas
na estrutura da organização são
bastante diferentes para empresas ilegais e outras formas
de organização criminosa, de
modo que elas raramente aparecem como uma organização.
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