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Sai no Brasil "A Escola de Frankfurt", de Rolf Wiggershaus, o mais
importante panorama histórico-biográfico da Teoria Crítica
A decadência de uma expressão
Marcos Nobre
especial para a Folha
Depois de mais de 15 anos de sua
publicação na Alemanha, sai a
edição brasileira do mais importante panorama histórico-biográfico da Teoria Crítica. O livro de
Rolf Wiggershaus não apenas não tem
concorrente no seu gênero, como mostra grande vigor ao sobreviver bem a esse
período desde sua primeira edição, atestando uma profunda, ampla e competente pesquisa documental. Ou seja,
mesmo com as novas e inéditas edições
de obras de muitos dos pensadores da
Teoria Crítica -como é o caso da finalização da edição completa dos escritos de
Max Horkheimer e da correspondência e
dos póstumos de Theodor W. Adorno,
para citar apenas dois exemplos- e com
o crescente volume de monografias sobre temas e períodos específicos das
obras desses pensadores, o trabalho de
Wiggershaus permanece, no geral, preciso e acurado, o que faz dele a mais importante fonte de consulta sobre a Teoria
Crítica de que dispomos a partir de agora
em português.
Presumida unidade
Isso significa,
antes de mais nada, que o principal mérito do livro de Wiggershaus está em ter
procurado apresentar "história, desenvolvimento teórico, significação política" de um conjunto de pensadores, desde os primórdios, na década de 1920, até
a década de 1980. Para que isso seja possível, é preciso recorrer a uma presumida
unidade ou referência comum a todos
eles, o que viria a ser justamente a "Escola de Frankfurt".
"Escola de Frankfurt" foi uma expressão muito usada, desde fins dos anos
1950 até meados dos anos 1990. Hoje é
raro encontrar trabalhos que se utilizem
dessa expressão. O mais comum é, hoje,
a referência à Teoria Crítica, expressão
que se tornou referência para um conjunto de pensadores desde a publicação,
em 1937, do ensaio de Max Horkheimer
"Teoria Tradicional e Teoria Crítica".
Por que a mudança?
O próprio Wiggershaus nos dá a pista.
Referindo-se à obra pioneira de Martin
Jay sobre a Teoria Crítica ("The Dialectical Imagination", 1973), que cobre o período de 1923-50, Wiggershaus nos diz
que o livro de Jay trouxe o mito da Escola
de Frankfurt para "o solo dos fatos históricos e mostrou claramente como a realidade oculta por trás da etiqueta "Escola
de Frankfurt" é multiforme -etiqueta
essa que se tornou parte integrante da
história dos efeitos daquilo que ela designa e que não se pode mais rejeitar, independentemente do sentido mais ou menos limitado que se pode dar aqui à existência de uma escola".
Dito de outra maneira, "Escola de
Frankfurt" foi antes de mais nada um
slogan de intervenção política, mais do
que uma expressão que efetivamente designasse uma "escola de pensamento"
ou uma unidade teórica de um conjunto
de pensadores. (O melhor trabalho sobre
esse desenvolvimento, ocorrido após a
Segunda Guerra, em que a "Teoria Crítica" se tornou "Escola de Frankfurt", é
certamente o de Alex Demiroviae, "Der
Nonkonformistische Intellektuelle",
1999). Nesse sentido, a recuperação da
expressão original "Teoria Crítica", fazendo quase desaparecer a expressão
"Escola de Frankfurt", parece-me estar
ligada ao projeto teórico (e político) de
retomar a investigação interdisciplinar
que é a marca distintiva dessa tradição
intelectual, desde que Max Horkheimer
se tornou o diretor do Instituto de Pesquisa Social, em 1930.
É por essa razão que o mencionado livro de Martin Jay procura se ancorar na
instituição Instituto de Pesquisa Social
para contar o desenvolvimento da Teoria Crítica. E essa é também, em boa medida, a perspectiva de Wiggershaus, que
procura, desse modo, fazer convergir
obras teóricas, instituição e biografias. E
a figura central da trama me parece ser
sempre a de Max Horkheimer, sendo
que a obra para a qual entendo confluir
todo o esforço de reconstrução de Wiggershaus é a "Dialética do Esclarecimento" (ed. Jorge Zahar), de Horkheimer e
Adorno, cuja publicação em livro se deu
pela primeira vez em 1947. E é importante observar que Wiggershaus, nessa reconstrução, de modo nenhum ignora os
pensadores e obras que normalmente
são deixados de lado em trabalhos gerais
sobre a Teoria Crítica, o assim chamado
"círculo externo", que inclui nomes como os de Franz Neumann e Otto Kirchheimer, por exemplo.
Maquiavelismo
Nesse contexto,
Horkheimer surge, no livro de Wiggershaus, como uma figura "maquiavélica"
(ver a citação nas páginas 136 e 137), que
tinha por objetivo (e conseguiu) "um
modo de existência que estivesse voltado
para o conhecimento da sociedade, mas
que, quaisquer que fossem as circunstâncias, incluísse um alto padrão de vida" (pág. 137). Nesse sentido, Wiggershaus chega muitas vezes a impressionantes detalhes de remuneração e vantagens, especialmente quando as circunstâncias exigiram severos cortes no número de pesquisadores do instituto e nas
remunerações, momento em que Horkheimer não hesita em colocar o seu próprio padrão de vida em primeiro lugar:
"Quando o capital da fundação começou
a minguar, por volta do final da década
de 1930, o problema para Horkheimer
consistia em preservar bastante cedo
uma parte suficientemente grande do
patrimônio para assegurar seu próprio
trabalho científico durante longo tempo" (pág. 289).
Concretamente isso significou, por
exemplo, financiar, no final dos anos
1930 e início dos anos 1940, o projeto que
resultaria anos mais tarde na "Dialética
do Esclarecimento", em detrimento de
um projeto interdisciplinar integrador
das pesquisas das diversas ciências, em
vista da elaboração de uma teoria crítica
da sociedade, nos moldes defendidos pelo próprio Horkheimer no ensaio de
1937. Segundo Wiggershaus, essa vitória
do projeto pessoal em prejuízo do interdisciplinar se deveu "ao medo de Horkheimer e de sua mulher de não poderem dispor de proventos principescos"
(pág. 277). Nesse sentido, fica sempre a
impressão de que os elementos biográficos, no final das contas, são mais decisivos do que os outros dois elementos, o
institucional e o da obra teórica.
De qualquer forma, esse é apenas um
exemplo de como Wiggershaus procura
fazer convergir história institucional,
biografia e obra teórica, ainda que um
exemplo não apenas significativo, mas
também central na argumentação do livro. Estando correta a impressão de que
toda a reconstrução de Wiggershaus tem
como ponto de fuga a "Dialética do Esclarecimento", seria possível concluir
que o "maquiavelismo" de Horkheimer
em privilegiar esse projeto pessoal de
certa maneira se justificou a posteriori,
dados os rumos da Teoria Crítica no pós-guerra. Mas isso significa também que
pretender retomar o projeto interdisciplinar da Teoria Crítica passa hoje muito
provavelmente por colocar em segundo
plano a própria "Dialética do Esclarecimento" e seu quadro teórico.
Para concluir, algumas poucas palavras sobre a edição brasileira. Infelizmente, trata-se de uma tradução da tradução francesa e não uma tradução direta do original alemão. Além disso (ou,
talvez, por causa disso), os erros são muitos e as passagens incompreensíveis ou
dúbias se avolumam. Não bastasse isso,
nem mesmo foram consultadas e utilizadas as edições brasileiras disponíveis dos
autores da Teoria Crítica citados. Para
que se tenha uma idéia do descaso com o
leitor brasileiro e com as obras em questão, basta ir à página 548 da edição brasileira do livro de Wiggershaus, em que é
citado um fragmento (o de número 19)
do livro de Adorno "Minima Moralia",
do qual temos uma muito boa edição no
Brasil. O título do fragmento, que a edição brasileira de "Minima Moralia" (ed.
Ática) traduz, corretamente, como "Não
Bater à Porta" (uma tradução um pouco
mais livre diria: "Entre sem Bater"), foi
transformado, na edição brasileira do livro de Wiggershaus, no absurdo: "Não
Sondar o Terreno".
Marcos Nobre é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap, autor, entre outros, de "Lukács e os Limites da Reificação" (Ed. 34)
e de "A Dialética Negativa de Theodor W. Adorno"
(Iluminuras/Fapesp).
A Escola de Frankfurt
742 págs., R$ 82,00
de Rolf Wiggershaus. Trad. Vera de Azambuja.
Editora Difel (r. Argentina, 171, 1º andar, CEP
20921-380, SP, tel. 0/xx/11/ 2585-2000).
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