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A senhora arquitetura
Única mulher a ganhar o Pritzker, principal prêmio da área, Zaha Hadid fala de sua fama de difícil, relembra a infância no Iraque, a Londres dos anos 60 e lamenta a discriminação ainda hoje
"Um arquiteto deve entender
os pobres, mas também os ricos, que são os que põem dinheiro"
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ANATXU ZABALBEASCOA
É a primeira, a que puxa
o carro. Antes que Zaha Hadid (Bagdá,
1950) chegasse ao cume da arquitetura, só
haviam se aproximado dele arquitetas à sombra de seus maridos: Aino Aalto, casada com o
finlandês Alvar Aalto; Lilly
Reich, eclipsada por seu amante Mies van der Rohe; ou, mais
recentemente, Denise Scott
Brown, co-autora com Robert
Venturi do livro "Aprendendo
com Las Vegas" [Cosacnaify] e
que nem mesmo seu marido citou quando lhe concederam o
prêmio Pritzker, em 1991.
Ser mulher e chegar tão alto
na arquitetura parecia impossível. Hadid sabe disso. E é tão
consciente de sua façanha
quanto do preço que teve de
pagar. Entretanto, vive seu melhor momento. Já era a arquiteta mais famosa do mundo antes de levantar qualquer edifício. Seus elegantes desenhos
lhe trouxeram essa fama.
Em apenas cinco anos, ela
conquistou os prêmios mais
importantes do mundo -o
Mies van der Rohe, o Pritzker
(é a única mulher com esse galardão), a medalha Thomas
Jefferson e a do Instituto Real
de Arquitetos Britânicos- e
doutorados honorários das
universidades Yale e Columbia.
Hoje tem projetos por todo o
mundo: em Abu Dhabi, Copenhague, Dubai, Coréia, Marselha, Roma, Gales, Nápoles ou
Guangzhou (China).
Hadid não tem fama de fácil.
E não é. Por exemplo, pode
mudar sete vezes a hora da entrevista. Adiá-la, cancelá-la e
voltar a convocá-la. Mas, quando começa a falar, é capaz de se
esquecer do horário de saída de
seu avião particular e obrigar
que atrasem o vôo sem abrir a
boca para pedir.
Após sucessivas convocações
e desconvocações, ela aparece
sorridente e muito maquiada
no hotel Puerta América, em
Madri, o lugar da cidade com
mais design cosmopolita por
metro quadrado. Assim como
Norman Foster, David Chipperfield ou Jean Nouvel, Zaha
Hadid é autora dos quartos de
um dos andares, o primeiro.
PERGUNTA - A sra. dormiu em seu
quarto?
ZAHA HADID - Não. Sempre que
venho aqui me colocam em
meus quartos. Mas gosto é de
experimentar os dos outros.
Dormi em um de Jean Nouvel.
PERGUNTA - E gostou mais ou menos que do seu?
HADID - Se não for precisar trabalhar, o meu, preto, é muito
relaxante. Mas, em um lugar
como este, o divertido é experimentar.
PERGUNTA - Há quanto tempo a
sra. não pisa no Iraque?
HADID - Hum... 27 anos. Faz
quase 50 que meus irmãos não
moram lá. E aos poucos vou ficando sem família próxima no
Iraque. A última vez em que fui,
nos anos 80, era um lugar muito complicado, muito diferente
do país do qual saí adolescente.
Hoje está pior.
PERGUNTA - A sra. lembra da Bagdá
de sua infância como uma sociedade avançada. Onde foi parar aquele
progresso?
HADID - Não sei. O Iraque em
que eu cresci era um lugar liberal, progressista para as mulheres. Minhas colegas de escola
são médicas ou farmacêuticas.
Têm uma vida profissional.
PERGUNTA - A sra. tem consciência
de sua fama de exigente?
HADID - Eu sou exigente! Mas
creio que meu currículo demonstra de quem exijo mais.
Ao meu estúdio chega gente
de todo tipo. Principalmente
agora, que somos 250. Mas ficam os que acreditam no que
eu defendo há anos: que as coisas podem ser feitas de outra
maneira, que a arquitetura pode mudar a vida das pessoas e
que vale a pena tentar.
PERGUNTA - A sra. saiu de Bagdá
com 16 anos e, depois de um ano na
Suíça e outro em Beirute, aterrissou
em Londres. Como era a Londres que
encontrou nos anos 60?
HADID - Não muito diferente
da de hoje. Tinha havido uma
recessão na Inglaterra, e vivíamos o boom do petróleo. Os
anos 60 foram a década da Inglaterra. Revolucionou-se a
moda, cortaram-se as saias e os
cabelos das meninas.
PERGUNTA - Usou minissaia?
HADID - Assim que cheguei. O
que era poderosíssimo era o
mundo do "jet set" em Londres.
Respirava-se luxo e glamour.
Foi o princípio dos clubes noturnos, das boates exclusivas, a
origem da música disco. Eu entrei nesse mundo como uma
árabe com dinheiro. Vivi alguns
anos de loucura. Podíamos ir a
Paris só para jantar.
PERGUNTA - De festa em festa, onde deixava as preocupações sociais?
HADID - A arquitetura é uma
das artes mais complexas. Por
isso é poderosa. Um arquiteto
deve entender os pobres, mas
também os ricos, que são os que
põem o dinheiro. A vida nos
clubes era uma universidade
tão importante quanto passear
pelas ruas dos bairros de periferia. É bom saber de tudo, ainda
mais para um arquiteto.
PERGUNTA - E, em meio a tanta farra, de onde tirava ânimo para estudar? Não ficou tentada a se dedicar a algo mais relacionado com a vida
noturna, que a fascinava?
HADID - Bem... não. Naquele
tempo eu fazia minha própria
roupa, mas foi só. Havia estilistas magníficos, por que eu seria
uma a mais? Não sou uma desenhista de moda.
PERGUNTA - Mas a sra. desenhou
bolsas para a Louis Vuitton.
HADID - Porque entendo isso
como uma extensão de minhas
pesquisas como arquiteta. Dão
um objeto para mim e eu o repenso. Mantenho sua identidade, mas no processo ele perde o
que o impede de mudar.
PERGUNTA - O que teve de pagar
mais caro: o fato de ser mulher, imigrante, querer ser pioneira, ser rica?
HADID - Tudo isso. A combinação entre uma mulher imigrante, árabe, auto-suficiente e que
fazia coisas estranhas não me
facilitou em nada as coisas. Mas
estar tão destacada me favoreceu. Deixavam-me ser e fazer o
que eu quisesse.
Mas ao mesmo tempo bloqueavam minha entrada para
certas encomendas e campos
profissionais. Comecei a trabalhar em um dos momentos
mais retrógrados do século 20,
quando a arquitetura estava
mergulhada na recuperação de
valores históricos muito conservadores. Isso passou.
PERGUNTA - E hoje, quando constrói em toda parte?
HADID - Ainda tropeçamos.
PERGUNTA - Por quê? Em quê?
HADID - Não ajuda nada ser
árabe, francamente. E, hoje,
ainda menos.
PERGUNTA - A sra. não está acima
das nacionalidades?
HADID - Absolutamente. Não é
que me digam diretamente:
"Não a queremos porque você é
árabe". Mas só uma névoa racista explica o inexplicável
quando, depois de ganhar concursos, os edifícios acabam sendo construídos por outros.
PERGUNTA - A sra. é religiosa?
HADID - Sou muçulmana por
nascimento. Mas não pratico.
Não é um assunto religioso.
Tem a ver com o momento que
o mundo atravessa.
PERGUNTA - Agora vai construir em
Londres a sede da Architectural
Foundation e o centro aquático para
as Olimpíadas de 2012 (Londres)...
HADID - Sim, mas, se você for a
Londres, verá que toda semana
surge um buraco na cidade. Estão retirando todos os edifícios
dos anos 60, alguns deles muito
interessantes.
Em conseqüência, volta a haver espaço para novos edifícios.
E quem chamam para levantá-los? Posso ser a arquiteta mais
famosa do mundo, mas não estou fazendo nenhum.
PERGUNTA - Por quê?
HADID - Não entendem o que
fazemos. Acham que sou excêntrica. Não estão interessados em mudar, muito menos
em inovar. Na Inglaterra o que
manda é o que se vende: o preço
por metro quadrado.
Há uma resistência britânica.
PERGUNTA - Por que continua morando lá?
HADID - Bem, pela língua. Por
meus amigos. Por inércia. Para
ser de algum lugar. Além disso,
não creio que seja uma questão
pessoal. Outras culturas levam
a sério os projetos públicos, que
são os que me interessam.
PERGUNTA - No País de Gales, tiraram da sra. a encomenda da Ópera
de Cardiff depois que ganhou o concurso.
HADID - Esse foi o momento
mais duro da minha carreira.
Porque pensei que com aquele
projeto poderia finalmente decolar. Mas aprendi.
PERGUNTA - A sra. sempre quis
romper os limites da arquitetura.
Acredita que hoje mais pessoas do
que nunca os estão rompendo?
HADID - Sem dúvida. Como
pessoa e como arquiteta, me interessei em saber por que as
coisas são como são. Por que só
há um tipo de quarto? Sempre
questionei as tipologias. Isso
afeta o que se pode fazer nos
edifícios e, enfim, sua forma.
PERGUNTA - Seus edifícios falam de
liberdade?
HADID - É o que pretendo.
PERGUNTA - A sra. diz que a construção de uma marca faz parte da
nova identidade das cidades. Também há uma marca Hadid?
HADID - Eu sou minha marca, e
é claro que ser diferenciada aumenta meu cachê. Hoje o original está dentro dos planos dos
políticos, e a arquitetura singular, também. Há 15 anos ocorria
exatamente o contrário. E eu
me vestia de modo igual.
PERGUNTA - Mas apostou alto na
sua imagem, em construir um mistério.
HADID - Sou consciente do interesse da imprensa, e o fato de
ser a única arquiteta ganhadora
do Pritzker faz com que me reconheçam em alguns lugares.
O mistério? Sempre é melhor
que a certeza. Cada um pode
imaginar o que quiser. Minha
marca hoje é a de uma pioneira.
E a cultivo.
PERGUNTA - O que a sra. teve de sacrificar para chegar onde está?
HADID - Tudo. Minha vida pessoal. Não que eu pensasse em
me casar e ter uma família. Não
era exatamente isso. Mas escolhi uma vida que não admite ser
compartilhada com nenhum
outro desejo. Não tenho tempo
para nada além do que faço.
É fantástico o mundo aberto
em que vivemos. Podemos trabalhar em qualquer lugar, mas
também vivemos em uma grande armadilha. Na era das estrelas, as pessoas querem vê-las.
Se não aparecem, elas se aborrecem. Então você entra em
uma espiral de aviões que vai
consumindo sua vida.
PERGUNTA - Comentou-se que a
sra. não vai a alguns lugares onde
constrói edifícios.
HADID - Não posso ir a todos os
lugares. Quem me contrata deve saber que somos uma equipe
de 250 arquitetos. Eu sozinha
não poderia fazer tudo.
PERGUNTA - Há 15 anos a sra. não
podia imaginar aonde chegaria. Onde espera estar daqui a mais 15?
HADID - Alguém como eu nunca está satisfeito. Gostaria de
aplicar minhas idéias a uma escala maior, ao urbanismo.
Mas para desenvolver uma
idéia são precisos dez anos. Para aplicá-la... depende. Hoje parece que as coisas acontecem
em velocidade maior. Mas não
se deve confiar. Quando estivermos acostumados à liberdade e à rapidez, chegará uma
época dura que não nos freará.
E deveremos abrir de novo um
caminho... Aqueles que ainda
tiverem vontade de fazê-lo.
A íntegra desta entrevista saiu no "El País".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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