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Ponto de Fuga
Banquete musical
O Festival Amazonas está em sua 14ª edição, fez de Manaus o centro de ópera por excelência no Brasil e cresceu integrando-se à cidade, valorizando, com inteligência, artistas brasileiros
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O coração se apertava, na
espera. À noite, seria a
estreia de "Yerma", de
Villa-Lobos. Abria o Festival
Amazonas de Ópera.
Obra raríssima, foi apresentada no Rio de Janeiro em
1983; a gravação sonora desse
espetáculo está disponível, grátis, na internet (http://musicabrconcerto.blogspot.com/2008/10/villa-lobos-yerma.html). O som é indistinto e a
execução foi reduzida por vários cortes na partitura. Era o
que se tinha, porém, e, com todas as limitações técnicas e
musicais, permitia perceber a
amplidão trágica da obra. Mas
nada podia pressagiar o que seria a apresentação manauara.
O espírito de rigor -que,
neste caso, significa também
amor sincero e empenhado-,
presente no Festival Amazonas, faz com que, ali, as obras
sejam sempre executadas na
íntegra. No caso de "Yerma", a
versão completa pôde ramificar-se em sua complexa intensidade trágica.
A interpretação musical
manteve-se à altura de tal
grandeza. Eliane Coelho, protagonista, comunicou ao público que estava adoentada; cantou, no entanto, como muitas
gostariam de fazer em plena
saúde. O fraseado, o timbre, a
energia passional, tudo correspondia às exigências do papel.
Com uma vibração íntima,
emotiva, Marcelo Puente encarnou Juan, o marido; Homero Velho, cada vez melhor cantor, concedeu sua voz firme,
belamente timbrada, ao personagem de Victor, portador da
felicidade impossível.
Tucupi
"Yerma" dispõe um número
grande de papéis menores. No
Teatro Amazonas, todos tiveram intérpretes de qualidade.
Muitos deles são de Manaus, o
que revela a marca impressa
pelas atuais atividades do teatro na vida musical da cidade.
"Yerma" levou a perceber
também as conquistas progressivas operadas por um empenho contínuo. Primeiro foi, ao
longo dos anos, a Amazonas Filarmônica que se erguia. Elevou-se entre as melhores orquestras do país; posta à prova
pela arte de Villa-Lobos nessa
ópera difícil, mostrou-se, sob a
regência do maestro Marcelo
de Jesus, precisa e arrebatada.
Depois, o coral aperfeiçoava-se, enfrentando composições
as mais complexas. Agora, é o
desenvolvimento da Companhia de Dança do Amazonas.
Jambu
A montagem de "Yerma", sob
a responsabilidade de Allex
Aguilera, associou balé à concepção cênica de maneira arriscada. Um casal de bailarinos representava também, junto com
os cantores, o casal protagonista. Havia, portanto, duas Yermas, dois Juans, um par que
canta, outro que dança.
Tal solução permitiu harmonizar a dualidade entre realismo e símbolo, própria ao texto
de Lorca. Com os cantores, o
desespero se arranca do ventre
com violência. Com os bailarinos, ele se espiritualiza. O resultado de tudo isso junto, música, dança, canto, drama, brilharia em qualquer grande teatro do planeta.
Tacacá
Fato raro, num país de projetos que não duram: o Festival
Amazonas de Ópera está em
sua 14ª edição. A cada ano, supera a si mesmo. Fez de Manaus o centro de ópera por excelência no Brasil. Não é postiço. Cresceu integrando-se à cidade, valorizando, com inteligência, artistas brasileiros.
Preocupa-se em trazer, ao lado
de títulos mais conhecidos,
obras raras, verdadeiras revelações. São escolhas feitas com
coração e conhecimento.
A alma de tudo é o maestro
Luiz Malheiro, diretor do festival, que sabe de ópera como
ninguém. Ele promete ainda,
neste ano, um "Romeu e Julieta", de Gounod, um "Schiavo",
de Carlos Gomes, uma "Floresta Amazônica", de Villa-Lobos,
entre outras, várias, iguarias.
jorgecoli@uol.com.br
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