São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Ponto de Fuga

Banquete musical


O Festival Amazonas está em sua 14ª edição, fez de Manaus o centro de ópera por excelência no Brasil e cresceu integrando-se à cidade, valorizando, com inteligência, artistas brasileiros


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

O coração se apertava, na espera. À noite, seria a estreia de "Yerma", de Villa-Lobos. Abria o Festival Amazonas de Ópera.
Obra raríssima, foi apresentada no Rio de Janeiro em 1983; a gravação sonora desse espetáculo está disponível, grátis, na internet (http://musicabrconcerto.blogspot.com/2008/10/villa-lobos-yerma.html). O som é indistinto e a execução foi reduzida por vários cortes na partitura. Era o que se tinha, porém, e, com todas as limitações técnicas e musicais, permitia perceber a amplidão trágica da obra. Mas nada podia pressagiar o que seria a apresentação manauara. O espírito de rigor -que, neste caso, significa também amor sincero e empenhado-, presente no Festival Amazonas, faz com que, ali, as obras sejam sempre executadas na íntegra. No caso de "Yerma", a versão completa pôde ramificar-se em sua complexa intensidade trágica.
A interpretação musical manteve-se à altura de tal grandeza. Eliane Coelho, protagonista, comunicou ao público que estava adoentada; cantou, no entanto, como muitas gostariam de fazer em plena saúde. O fraseado, o timbre, a energia passional, tudo correspondia às exigências do papel.
Com uma vibração íntima, emotiva, Marcelo Puente encarnou Juan, o marido; Homero Velho, cada vez melhor cantor, concedeu sua voz firme, belamente timbrada, ao personagem de Victor, portador da felicidade impossível.

Tucupi
"Yerma" dispõe um número grande de papéis menores. No Teatro Amazonas, todos tiveram intérpretes de qualidade. Muitos deles são de Manaus, o que revela a marca impressa pelas atuais atividades do teatro na vida musical da cidade.
"Yerma" levou a perceber também as conquistas progressivas operadas por um empenho contínuo. Primeiro foi, ao longo dos anos, a Amazonas Filarmônica que se erguia. Elevou-se entre as melhores orquestras do país; posta à prova pela arte de Villa-Lobos nessa ópera difícil, mostrou-se, sob a regência do maestro Marcelo de Jesus, precisa e arrebatada.
Depois, o coral aperfeiçoava-se, enfrentando composições as mais complexas. Agora, é o desenvolvimento da Companhia de Dança do Amazonas.

Jambu
A montagem de "Yerma", sob a responsabilidade de Allex Aguilera, associou balé à concepção cênica de maneira arriscada. Um casal de bailarinos representava também, junto com os cantores, o casal protagonista. Havia, portanto, duas Yermas, dois Juans, um par que canta, outro que dança.
Tal solução permitiu harmonizar a dualidade entre realismo e símbolo, própria ao texto de Lorca. Com os cantores, o desespero se arranca do ventre com violência. Com os bailarinos, ele se espiritualiza. O resultado de tudo isso junto, música, dança, canto, drama, brilharia em qualquer grande teatro do planeta.

Tacacá
Fato raro, num país de projetos que não duram: o Festival Amazonas de Ópera está em sua 14ª edição. A cada ano, supera a si mesmo. Fez de Manaus o centro de ópera por excelência no Brasil. Não é postiço. Cresceu integrando-se à cidade, valorizando, com inteligência, artistas brasileiros. Preocupa-se em trazer, ao lado de títulos mais conhecidos, obras raras, verdadeiras revelações. São escolhas feitas com coração e conhecimento.
A alma de tudo é o maestro Luiz Malheiro, diretor do festival, que sabe de ópera como ninguém. Ele promete ainda, neste ano, um "Romeu e Julieta", de Gounod, um "Schiavo", de Carlos Gomes, uma "Floresta Amazônica", de Villa-Lobos, entre outras, várias, iguarias.

jorgecoli@uol.com.br

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