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+(L)ivros
Cidadão Luce
Fundador das revistas "time", "fortune" e "life" é tema de biografia lançada nos eua que reavalia seu legado como publisher e seu papel como figura emblemática da sociedade americana no século 20
BILL KELLER
De todas as discussões em curso, hoje
em dia, no ruidoso
ponto de inflexão
que o setor de notícias ocupa, nenhuma é tão básica quanto o debate sobre a
credibilidade jornalística
-quem a detém e que valor ela
deve ter.
De um lado, simplificando a
questão, existe a visão de que o
poder de democratização da internet tornou obsoletos as formas e os valores tradicionais do
jornalismo e, com eles, não incidentalmente, a ideia de que
as pessoas deveriam pagar pelo
acesso à notícia. Entre os partidários mais utópicos da ideia
de que a sabedoria está nos números, depender de jornalistas
profissionais é visto como elitista e sufocante.
Do outro lado, existe a convicção de que uma população
significativa de pessoas sérias
sinta a necessidade de que alguém dotado de treinamento,
experiência e padrões -repórteres e editores- ajude na tarefa de localizar e selecionar as
notícias, identificar o que elas
têm de importante e descobrir
o que significam.
Isso de maneira nenhuma
exclui a participação da audiência, em forma de comentário, contribuição ou colaboração (uma prova é a esplêndida
combinação entre jornalismo
profissional e amador que
manteve ativo o noticiário recente sobre o Irã).
Mas, nos termos dessa visão
-da qual compartilho-, a credibilidade dos jornalistas profissionais é tanto uma valiosa
conveniência para os leitores
que não têm tempo ou disposição para administrar sozinhos
o tsunami de informações recebidas quanto um bem cívico,
já que uma democracia precisa
de uma base compartilhada de
informações confiáveis sobre a
qual realizar seus julgamentos.
Henry Luce [1898-1967], por
bem ou por mal, pode ser considerado um dos pais fundadores da escola do jornalismo como autoridade.
Luce, o criador das revistas
"Time", "Life", "Fortune" e,
posteriormente, "Sports Illustrated", foi um magnata da mídia em uma era na qual a liberdade de imprensa pertencia
aos proprietários das editoras
(e não, como agora, a qualquer
pessoa dotada de acesso à internet).
Luce empregava seu poderoso megafone para promover líderes que admirava, pintar um
retrato, em geral positivo, da
classe média americana e fomentar a causa da intervenção
dos Estados Unidos no mundo,
o que inclui sua paixão incansável pela desventura do Vietnã. O que ele definia como "jornalismo de informação com
propósito" era ocasionalmente
difícil de distinguir de propaganda, e lhe valeu o escárnio
dos intelectuais de inclinações
esquerdistas.
Figura complicada
Alan Brinkley, estudioso do
New Deal [plano econômico e
social contra a Grande Depressão nos EUA] e colaborador
frequente do "New York Times", tem talento especial para
restaurar as proporções corretas de figuras vistas como caricaturais. Em "The Publisher
-Henry Luce and His American
Century" [O Publisher - Henry
Luce e Seu Século Americano],
o Luce que ele retrata é uma figura complicada, mais trágica
que maligna.
O livro faz completa justiça à
insegurança que Luce sentia
como figura vinda de fora da
elite, a sua afinidade cega pelos
detentores do poder e a seus
defeitos como homem de família. Mas o retrato o humaniza e
destaca o papel que suas revistas, especialmente "Time" e
"Life", desempenharam em um
país que tentava desconfortavelmente se acomodar à função
de força geopolítica dominante
no planeta.
Para aqueles que, como eu,
baseavam sua imagem anterior
de Luce em "The Powers That
Be" [Os Detentores do Poder],
livro de David Halberstam, a
biografia de Brinkley não é especialmente reveladora, mas
mostra maior sutileza e, por
fim, maior simpatia pelo homem que lhe serve de tema.
O homem que, em seu mais
famoso ensaio para a revista
"Life", proclamaria o século 20
como "o século americano"
nasceu e cresceu a mais de 10
mil quilômetros dos EUA. Seu
pai era um missionário presbiteriano na China, educado na
Universidade Yale, que via sua
tarefa como não só converter os
chineses a sua fé, mas elevá-los
a padrões ocidentais de educação e prosperidade, de modo a
que gravitassem naturalmente
na direção do cristianismo.
Como estudante em Hotchkiss e Yale, Luce apresentou
desempenho acadêmico notável, mas sempre teve dolorosa
consciência de que sua família
não tinha dinheiro; a inveja ressentida que dedicava aos privilegiados natos influenciou o
ideal de uma classe média satisfeita e inclusiva que norteava o
empresário e suas publicações.
Empreitada jornalística
Em Hotchkiss, uma escola de
ensino médio, ele também conheceu uma das duas pessoas
que desempenhariam os mais
importantes papéis em sua vida
adulta -ambas, a um só tempo,
rivais e parceiras.
Britton Hadden era tão iconoclasta quanto Luce era sério,
tão incontido quanto Luce era
disciplinado e tão carismático
quanto Luce era socialmente
inepto. Repletos de autoconfiança juvenil, eles conceberam
a ideia de uma revista semanal
de notícias e análises, que tomaria por base o material de
outras publicações.
A revista se chamaria "Facts"
(mas o nome foi mudado para
"Time" antes do lançamento,
em 1923) e prometia vasculhar
quase 90 periódicos e amalgamar notícias provenientes de
todas as esferas.
A nova revista tinha as qualidades que hoje associamos aos
blogs. Era concisa e informal,
com preferências políticas claras e expressas em uma prosa
que inspirou inúmeras sátiras.
O autodestrutivo Hadden
terminou morrendo aos 31
anos em razão de uma vida de
excessos, mas a "Time", àquela
altura, já se havia transformado em grande sucesso, e uma
revista de negócios, "Fortune",
estava a ponto de ser lançada.
Poucos anos mais tarde, Luce
começou a planejar uma "revista de fotos" que se tornaria a
imensamente popular "Life".
Editor-chefe
"Time", "Fortune" e "Life" se
tornaram veículos para trabalhos originais de alguns dos
melhores jornalistas e fotógrafos do planeta. Alguns deles
-James Agee, Theodore White, Archibald MacLeish, Margaret Bourke-White- têm papéis memoráveis no livro.
Mas o mais importante dos
personagens coadjuvantes na
história, excetuado Hadden, é
Clare Booth Luce, a segunda
mulher do magnata da mídia,
dramaturga, deputada federal,
embaixadora na Itália e maluca
de carteirinha. Suas escapadas
teriam valido cobertura abundante na revista popular que a
Time Inc. criou depois da morte de Luce, "People".
Desde o começo, as revistas
de Luce não hesitavam em opinar, e ele se esforçou, nem sempre com sucesso, para que as
opiniões veiculadas fossem as
dele. Luce nunca se definiu como publisher, ao contrário do
que o título de Brinkley indica,
e sempre preferiu o título de
"editor-chefe", refletindo a influência direta que exercia sobre o conteúdo.
A curiosidade e o senso de
admiração quase infantil que
Luce sempre exibiu representam o aspecto redentor e mais
genial de suas publicações. Mas
elas também eram caracterizadas pelo encanto para com o
poder. Luce instava suas revistas a promover os políticos que
ele amava.
A "Fortune" também tinha
uma agenda específica; Brinkley a descreve como "legitimar o modernismo, recompensar aqueles que contribuem para a racionalização da indústria
e do comércio e celebrar a nova
e elegante estética que acompanha esse processo". E o papel
da "Life" era promover o ideal
de um país harmonioso e dominado pela classe média.
O século americano
A causa mais duradoura de
Luce, forjada pela Segunda
Guerra Mundial [1939-45] e
alimentada por seu desdém pelo comunismo, tinha por foco
sua visão ativista e paternalista
do papel americano no mundo,
e seu desprezo por aqueles a
quem via como isolacionistas
ou adeptos do apaziguamento.
Essa visão foi articulada no
ensaio "The American Century" [O Século Americano] e
dominava todas as suas publicações. Houve momento em
que chegou a contemplar a possibilidade de fazer de "Fortune", em lugar de uma revista de
negócios, uma revista sobre "os
EUA como potência mundial".
Halberstam definiu Luce como "o mais influente dos empresários editoriais conservadores dos EUA e, ao menos nos
anos 1950, dotado de influência
comparável à do secretário de
Estado".
Brinkley ressalta um pouco
mais que outros biógrafos as limitações do poder de Luce
-ele não só se provou incapaz
de levar presidentes a fazer o
que não desejavam como enfrentava problemas para convencer seus editores e redatores a seguir a linha que impunha. O ódio que sentia por
Franklin Roosevelt não abalou
seriamente a popularidade do
presidente, ou distorceu suas
políticas. A ideia de que os EUA
tinham a obrigação de libertar a
China [dos comunistas] não
conquistou espaço.
E Luce nem era tão conservador. Apoiou a expansão do poderio do governo, o que inclui o
Estado de bem-estar social. Defendeu os direitos civis das minorias e era menos chauvinista
que seus pares quanto à liberdade feminina. Defendia os sindicatos.
O legado de Luce
Não importa o que mais
achemos de Luce, ele jamais
apelou. Sempre que suas publicações enfrentavam dificuldades, ele insistia em que a maneira de revigorá-las era torná-las melhores, e não mais burras, populistas, sensacionalistas ou cínicas.
Na opinião de Brinkley, o legado de Luce não está em qualquer grande influência sobre a
política ou as decisões estratégicas americanas, mas sim na
criação de novas formas de mídia que "ajudaram a transformar a maneira como muita
gente experimentava as notícias e a cultura".
O que isso significa? As revistas de Luce, e posteriormente
os reconfortantes telejornais
da era do tio Walter Cronkite
[âncora do principal telejornal
da rede CBS de 1962 a 1981],
ofereciam aos norte-americanos um conhecimento compartilhado, um senso unificado sobre o mundo.
Quando Luce morreu, em
1967, esse consenso já havia sido dilacerado, e hoje não existe
veículo, ou voz, dotado do coeso
poder que caracterizou as revistas de Luce em seu auge.
Seria um erro sentimentalizar a versão de credibilidade
jornalística que dominou o século passado. Mas é provavelmente justo afirmar que a cacofonia da mídia atual -na qual
boatos e invectivas, com frequência, sobrepujam a verdade
factual, na qual a gritaria muitas vezes sufoca a reflexão sóbria, na qual as pessoas podem
se sentir plenamente informadas mesmo que jamais encontrem opiniões que contrariem
seus preconceitos- tem certa
influência na polarização de
nossa política, na disfunção do
nosso sistema político e no
crescente cinismo do eleitorado americano.
BILL KELLER é editor-executivo do "New York
Times", jornal em que foi publicada a íntegra
deste texto.
Tradução de Paulo Migliacci
THE PUBLISHER
Autor: Alan Brinkley
Editora: Alfred A. Knopf (EUA)
Quanto: US$ 35, R$ 61 (560 págs.)
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
inglês podem ser encomendados pelo site www.amazon.com
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