São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007 |
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+ Cultura Tabus pós-modernos A crítica e curadora Catherine Millet e o polêmico escritor Michel Houellebecq debatem sobre sexo e censura no mundo atual STÉPHANIE MOISDON
P
ara falar de sexo hoje,
quando tudo já foi dito, Michel Houellebecq quis conversar
com Catherine Millet. Assim, reuni o autor de "A
Possibilidade de Uma Ilha" [ed.
Record] -cuja adaptação para
o cinema ele acaba de concluir
e que apresentou em setembro
na Bienal de Lyon- e a editora
da "Art Press" -autora de "A
Vida Sexual de Catherine M."
[Ediouro]- num restaurante
de Paris, mais exatamente na
rue de la Fidélité. CATHERINE MILLET - Concordo, pois sou muito sensível às palavras obscenas. Afinal, o cinema pornô é feito para excitar. Ele não se resume às imagens. Quando escrevemos, podemos desfrutar plenamente disso -a obscenidade da linguagem. Mas, Michel, acho que eu talvez não tenha sua cultura nesse campo. HOUELLEBECQ - Claro que tem! As palavras obscenas excitam Catherine; me recordo muito bem do trecho em seu livro em que ela fala -é uma das únicas vezes em que eu disse a mim mesmo: "Nós realmente temos gostos diferentes", porque comigo isso não faz efeito algum. Pelo contrário -me constrange um pouco. MILLET - Então por que devemos lamentar a ausência de palavras nos filmes pornôs? Por razões estéticas? HOUELLEBECQ - Não seriam obrigatoriamente diálogos obscenos -em lugar disso, seria situar novamente o sexo na vida cotidiana, acrescentar uma dimensão realista à pornografia. Não é obsceno dizer, por exemplo, "vá devagarinho" ou "um pouco mais rápido", mas isso confere mais realismo, isso se parece mais com a sexualidade "comme il faut". Como "espere, vou gozar, espere um pouquinho!" -coisas assim. MILLET - É engraçado: já começamos com um mal-entendido. Eu concordei com Michel em lamentar a ausência de diálogos nos filmes, mas não pelas mesmas razões que ele. O ancoramento na realidade não é o que me interessa na pornografia. Por exemplo, as pessoas criticam as tomadas em close, o fato de isolar o sexo. Eu, pelo contrário, considero que o mais interessante consiste nisso. Esteticamente, isso produz uma imagem exagerada que não temos o hábito de ver. HOUELLEBECQ - Etimologicamente, porém, a pornografia deveria ser a descrição da sexualidade. Um filme erótico é feito para excitar. Um filme pornográfico é a descrição da sexualidade, logo, não é necessariamente algo excitante. As atrizes que fazem barulho demais quando fingem ter um orgasmo -isso não é realista. Isso foi algo que sempre prejudicou minha excitação. MILLET - O depoimento que posso dar é que, com "A Vida Sexual de Catherine M.", fiz um livro muito realista, e, com relação a isso, as opiniões foram muito divididas. É um livro excitante ou não? Algumas pessoas me disseram que o livro é maçante, e outras, que o leram de uma só vez, sem conseguir parar. HOUELLEBECQ - O que nunca deixa de funcionar comigo, mesmo na minha idade, é a irrupção brutal da sexualidade na vida cotidiana. Num lugar ou numa situação em que ela não está prevista. Para mim, isso invariavelmente é excitante. MILLET - É ambivalente. Nos vemos numa situação banal e criamos uma pequena ruptura nela. Como, por exemplo, ser detido por policiais... HOUELLEBECQ - Ou comprometer o bom andamento de uma turnê literária. Se eu fizesse um filme pornô, algo que não está em meus planos, eu com certeza relataria coisas desse tipo, introduziria o incongruente. Mas, senão, você que se conhece em termos de arte, Catherine... Não ria, o que acabo de dizer não é engraçado. MILLET - É o tom que me faz rir. HOUELLEBECQ - É verdade, não conheço muito da arte pornográfica. Apenas fiz um texto vago para [o fotógrafo alemão] Thomas Ruff, porque havia uma espécie de embaçamento [em sua obra] que me agradou. PERGUNTA - Você está falando dos
grandes closes "pixelizados" a partir
de imagens pornôs? PERGUNTA - Passamos do realismo
ao hiper-realismo. Estou pensando,
por exemplo, em Betty Tompkins:
suas pinturas de sexo em grande
close estão entre as imagens pornográficas mais interessantes e menos
convencionais de hoje.
HOUELLEBECQ - Pessoalmente,
fiz minha entrada numa antologia possível de cenas eróticas
por uma cena de banheira de
hidromassagem, à noite, numa
condição de falta total de visão
nítida. Tenho um lado que busca a fusão. Eu a reivindico.
As condições para uma orgia,
para mim, se resumem a não
saber exatamente o que está
acontecendo e quem está me
tocando. Uma espécie de dissolução, em suma. PERGUNTA - Voltando à questão da arte e da representação. Estou retornando da grande turnê entre a Bienal de Veneza, a feira da Basiléia e a Documenta, e pude constatar a ausência notável de representações do sexo. Há apenas alguns anos, a produção era considerável. Isso está provavelmente ligado ao momento preciso que estamos vivendo, de vigilância e censura? MILLET - Sim, isso também chamou minha atenção. Nada de sexo em Veneza! Política, bons sentimentos, guerra, moral, isso sim. Não fica bem falar de prazer, é preciso nos ocuparmos com o outro. PERGUNTA - Aliás, Michel, praticamente não há sexo em seu último livro ["A Possibilidade de Uma Ilha"]. PERGUNTA - Acho que hoje o sexo
já não ocupa o mesmo lugar que antes na vida das pessoas. Elas são assombradas pelo dinheiro, o poder, o
fato de ocupar um território, um
meio social. O prazer e o sexo desviam as pessoas desse imperativo. STÉPHANIE MOISDON é crítica de arte. Este texto foi publicado na "Beaux Arts". Tradução de Clara Allain. Texto Anterior: Pensadora estudou totalitarismos Próximo Texto: Houellebecq faz conferência no Brasil na 3ª Índice |
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