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Antes de tudo, um baiano
Para historiador, personagem deve ser visto em uma dimensão internacional
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
P
ara o historiador
Clóvis Bulcão, o padre Antônio Vieira
foi "o primeiro pop
star da história".
Professor do Instituto de
Educação do Rio de Janeiro
(Iserj), Bulcão se dedica há
nove anos a uma biografia de
Vieira, que deve ser lançada
em junho com o título "As
Relíquias do Futuro" (José
Olympio).
Para Bulcão, o epíteto é
plenamente justificado. "Não
eram só os poderosos que
eram cativados pela sua oratória. A polícia precisava controlar a multidão que tentava
assistir a seus sermões. Isso
em todos os locais, incluindo
Roma", diz.
O pesquisador diz que o Padre Vieira costuma ser retratado fora de seu contexto histórico. "É um personagem
com dimensão internacional.
E no Brasil é negligenciado."
O personagem abraçou a
idéia milenarista, em voga no
século 17, defendendo que
Portugal tinha a missão histórica de ser a sede do novo
império mundial. Nesse sentido, era um rival às pretensões do inglês Oliver Cromwell (1599-1658).
"Vieira empolga o público
luso-brasileiro primeiramente porque tem um projeto
claro de conquista do mundo", afirma o pesquisador. O
escritor tinha ascendência
sobre dom João 4º em um
momento em que Portugal
reafirmava sua identidade na
Restauração, após a União
Ibérica (1580-1640). Para isso, cumpriu uma função diplomática que o levou a Amsterdã, a "cidade mais importante da Europa na época".
A vocação para a negociação e condução dos negócios
estrangeiros ele já exercia em
seus escritos. "Há um texto
em que ele compara a foz do
rio Amazonas com a bacia do
Mediterrâneo. Ele percebe a
importância geopolítica da
região e passa a defender a tese de que corríamos o risco de
perder a Amazônia", diz.
Entre outros pioneirismos,
Vieira também teria sido um
dos precursores da idéia da
transferência da família real
portuguesa ao Brasil -cuja
efeméride de 200 anos se comemora neste ano-, quase
dois séculos antes desta se
efetivar.
Ao defender a tolerância
religiosa com os cristãos-novos, visando a repatriação do
capital judaico de origem lusitana disperso desde o século 15, Padre Vieira chocou-se
com a Inquisição portuguesa.
E esse fato, além da defesa
muitas vezes "rasgada" dos
índios, poderia ter explicação
na sua origem.
"Não temos imagens de
época do Vieira, mas era provavelmente mulato, porque
tem ascendentes negros e judeus. Ele desenvolve esse
pensamento [de tolerância]
porque a Bahia do século 17 já
estava fortemente miscigenada de cristãos-novos e de
cristãos", diz Bulcão. Para ele,
o Padre Vieira também acreditava que os índios poderiam ser descendentes de tribos de Israel.
"Quando estava no Maranhão, ele chegou a tentar organizar uma expedição atrás
de índios descendentes de
antigos navegadores."
Apesar de ser um autor estudado no mundo todo (Europa, México, EUA etc.) e celebrado sobretudo em Portugal, Bulcão diz que não há dúvida da baianidade de Vieira.
"Com todo o respeito aos
portugueses, na verdade ele
se sentia brasileiro, baiano.
Falava com sotaque baiano.
No final da vida queria morrer na terra dele [Bahia]. Isso
é claríssimo", conclui.
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